segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O Conservadorismo Anglo-Saxão 6 - Os Protagonistas - Richard Brinsley Sheridan

Will & Ariel Durant História da Civilização
Junto com Burke e Fox, na liderança do coeficiente liberal dos whigs, havia um outro irlandês, Richard Brinsley Sheridan. Seu avô, Thomas Sheridan I, publicou traduções do grego e do latim, e Art of Punning, que deve ter impregnado seu neto. O pai, Thomas Brinsey Sheridan II, foi por alguns considerado o segundo após Garrick como ator e empresário teatral. Casou-se com Frances Chamberlaine, dramaturga e romancista de renome. Era formado por Dublin, Oxoford e Cambridge. Lecionou educação nesta última universidade, sendo a pessoa que conseguiu uma pensão real para Johnson, obtendo outra para ele também. Escreveu uma interessante Life of Swift, ousando publicar um General Dictionary of the English Language (1780) apenas 25 anos depois daquele escrito por Johnson. Auxiliou seu filho na direção do Drury Lane Theatre, vendo-o salientar-se no romance, na literatura e no Parlamento.







Portanto, Richard tinha o chiste em seu meio, se não no sangue. Nascido em Dublin (1751), foi para Harrow aos onze anos, lá permanecendo seis anos, tendo adquirido uma boa educação clássica. Aos vinte, imitou o avô ao publicar traduções do grego. No ano de 1771, quando vivia em Bath com seus pais, ficou enlevado com a voz e o rosto encantador de Elizabeth Ann Linley, de dezessete anos, que cantava nos concertos apresentados por seu pai, o compositor Thomas Linley.





A pintura de Thomas Gainsborough em 1768 de Elizabeth com seu irmão Thomas; o título original anterior a 1817 era A Beggar Boy and Girl.

Aqueles que verem os retratos dela, pintados por Gainsborough compreenderão que Richard nada mais tinha a fazer senão ficar encantado. Tampouco ela, se pudermos dar crédito à irmã dele, que o achava irresistivelmente belo e encantador. Suas faces tinham o brilho da saúde, os olhos mais belos do mundo. (...) Um coração terno e afetivo (...) A mesma fantasia brincalhona, a mesma graça inofensiva de primeira ordem, que surgiram mais tarde em sua obra literária, alegravam e encantavam o círculo familiar. Eu o admirava, quase adorava-o. De bom grado teria sacrificado minha vida por ele.

Elizabeth Ann tinha muitos pretendentes, inclusive o irmão mais velho de Richard. Um deles, o Major Mathews, rico porém casado, importunou-a de tal forma que ela tomou láudano para matar-se. Recuperou-se, mas perdeu todo o desejo de viver, até que a dedicação de Richard reanimou-lhe o espírito. Mathews ameaçou força-la. Dividida entre o temor e o amor, fugiu com Sheridan para a França, casou-se com ele (1772), e depois refugiou-se num convento nas proximidades de Lille, enquanto Richard voltava à Inglaterra para conciliar seu pai e o dela. Empenhou-se em dois duelos com Mathews. Vitorioso no primeiro, poupou a vida de Matheus. Embriagado no segundo, desarmou o adversário, fazendo com que o duelo degenerasse em luta, voltando a Bath todo sujo de sangue, vinho e lama. O pai renegou-o, mas Thomas Linley trouxe Elizabeth Ann de volta da França, sancionando seu casamento (1773).

Demasiado orgulhoso para deixar sua mulher sustenta-lo cantando em púbico, Richard, com 22 anos, resolve fazer fortuna escrevendo peças teatrais. Em 17 de janeiro de 1775, sua primeira comédia, Os Rivais, foi representada em Covent Garden. Foi mal representada e mal aceita. Sheridan obteve um ator melhor para o papel principal e a segunda apresentação (28 de janeiro) deu início a uma série de sucessos dramáticos que trouxeram a Sheridan fama e riqueza. Logo toda Londres falava em Sir Anthony Absolute, Sir Lucius O’Trigger e Miss Lydia Languish, assim como imitava a deturpação das palavras por Mrs. Malaprop (Esqueça esse camarada, apague-o completamente de sua memória, e Teimoso como uma alegoria nas margens do Nilo), Sheridan possuía um tesouro de chistes na cabeça, os quais eram espalhados em todas as páginas, enriquecendo os lacaios com inteligência, e fazendo os bobos falarem como filósofos. Os críticos reclamavam que os tipos nem sempre eram consistentes com seus discursos, e que os chistes, crepitante em todas as cenas, borbulhantes em quase todas as bocas, tornavam-se sem lustro pelo excesso. Não importa. As audiências deliciavam-se com a diversão e deliciam-se até nossos dias.

Ainda maior foi o sucesso de The Duenna, que teve sua estréia em Covent Garden, no dia 2 de novembro de 1775. Permaneceu em cartaz 75 noites, na primeira estação, batendo o recorde das 63 registrado pela Ópera dos Mendigos, em 1728. David Garrik, do Drury Lane Theatre, alarmou-se com aquela viva competição, mas não conseguia encontrar melhor réplica do que reviver The Discovery, uma peça da mãe de Sheridan, recém falecida. Entusiasmado com o sucesso, Sheridan ofereceu-se para comprar metade da cota que Garrik possuía do Drury Lane. Este, sentindo a idade, concordou, mediante a quantia de 35 mil libras. Sheridan convenceu seu sogro a contribuir com dez mil libras, ele próprio investindo 1300 libras em dinheiro, o restante obtendo através de um empréstimo (1776). Dois anos depois, juntou mais 35 mil libras e apropriou-se do teatro juntamente com seus sócios, assumindo a direção.

Muitos julgaram que ele superestimava sua autoconfiança, porém Sheridan partiu para outro triunfo produzindo (8 de maio de 1777) A Escola da Maledicência, o drama de maior sucesso do século. O pai do autor, amuado desde a fuga de Richard, cinco anos atrás, estava agora reconciliado com o filho. Depois dessas vitórias, deu-se uma pausa na ascensão de Sheridan. As representações em Drury Lane não eram populares, e o fantasma da bancarrota assustou os seus sócios. Sheridan salvou a situação com uma farsa, A Crítica, uma sátira dos dramas trágicos e dramáticos pânditas. Entretanto, sua costumeira procrastinação interveio, de dois dias antes da data estipulada para a estreia ele ainda não havia escrito a cena final. Usando de astúcia, seu sogro e outros atraíram-no a uma sala no teatro, trancando-o ali, não sem antes lhe terem dado papel, pena, tinta e vinho, pedindo-lhe para terminar a peça. De lá saiu Sheridan com o resultado esperado. A peça foi ensaiada e julgada satisfatória. A estreia foi 29 de outubro de 1779, um outro sorriso da sorte ao trêfego irlandês.


                Drury Lane é o teatro mais antigo da Inglaterra. Fundado em 1663 com o nome Royal.



Olhou em seu redor para ver se havia outros mundos a conquistar e decidiu ingressar no Parlamento. Pagou aos cidadãos de Stafford cinco guinéus pelo voto deles e, em 1780, tomou assento na Câmara dos Comuns, como ardoroso liberal. Juntamente com Fox e Burke combateu Warren Hastings e, num dia de grande brilhantismo, suplantou os outros dois. Entrementes, viva com sua esposa prendada, feliz e rico, famoso por sua conversação, sagacidade, exuberância, delicadeza e dívidas. Lord Byron sintetizou o milagre: O que quer que Sheridan fizesse, ou escolhia fazer, era excelente, sempre o melhor no gênero. Escreveu a melhor comédia, o melhor drama, (...) a melhor farsa, (...) a melhor alocução (Monologue on Garrick) e, para coroar tudo isso, fez o melhor discurso (...) jamais concebido ou ouvido neste país. E havia conquistado e conservado o amor da mais bela mulher da Inglaterra.


Sheridan era de temperamento completamente romântico. É difícil imaginá-lo no mesmo mundo e na geração de William Pitt II, o qual só reconhecia a realidade, mantinha-se acima do sentimento e governava sem eloquência. Nascera em 1759, no auge da carreira de seu pai. Suma mãe era irmã de George Gresnville, primeiro ministro de 1763 a 1765. Foi amamentado dentro da política, crescendo com o odor do Parlamento. Franzino e doente na infância, foi resguardado dos rigores e dos contatos socializantes dos colégios “públicos”. Recebeu instrução em casa sob cuidadosa supervisão do pai, que lhe ensinou dicção fazendo-o recitar Shakespeare ou Milton todos os dias. Com dez anos, era um intelectual clássico já havendo escrito uma tragédia. Aos quatorze anos, foi mandado para Cambridge, mas logo ficou doente, voltando para casa. Um ano depois voltou novamente e, por ser filho de nobre, foi graduado Master of Arts (detentor de grau universitário de professor) sem passar por exame. Estudou advocacia em Lincoln’s Inn, exercendo a profissão por muito pouco tempo, sendo em seguida projetado para o Parlamento com a idade de 21 anos por um burgo “pocket” controlado por Sir James Lowther. Seu discurso inaugural apoiou tão bem a proposta de Burke para reformas econômicas, que este último chamou-o não o “filho que saiu ao pai, porém o próprio pai”.

Por ser o segundo filho, tinha direito apenas a trezentas libras anuais, com ocasionais adjutórios da mãe e dos tios. Essas condições contribuíram para sua simplicidade de conduta e caráter. Evitou o casamento, por achar não poder dividir a promessa que fizera a sim mesmo de conquistar o poder. Não encontrava prazer nem no jogo nem no teatro. Embora mais tarde bebesse em excesso para entorpecer os nervos após os tumultuados momentos políticos, conquistou reputação de vida pura e objetivos incorruptíveis. Podia comprar, mas não podia ser comprado. Nunca procurou a riqueza, e raras vezes fazia concessões às amizades. Só os íntimos, e esses eram muito poucos, descobriam atrás de sua maneira fria e arredia e seu autocontrole, uma alegria afável, às vezes até ternura afetiva.


Já em 1782, quando o ministério de Lorde North estava para renunciar, “o menino”, como alguns parlamentares condescendentes designavam Pitt, inseriu em um de seus discursos uma declaração um tanto inusitada: De minha parte, não poderei esperar participar de uma nova administração, porém se estivesse ao meu alcance fazê-lo, sinto-me no dever de declarar que nunca aceitaria uma posição subalterna. O que queria dizer que não aceitaria nenhum lugar inferior aos seis ou sete postos que vinham a ser o chamado ministério. Quando o novo ministério ofereceu-lhe o cargo de vice-ministro da Irlanda com cinco mil libras anuais, ele recusou, continuando a viver com suas trezentas libras. Estava certo de que iria galgar altos postos, mas esperava obtê-los por seus próprios méritos. Trabalhou com afinco, tornando-se o homem melhor informado nos Comuns sobre política interna, indústria e finanças. Um ano após sua orgulhosa declaração, o rei dirigiu-se a ele, não apenas para fazê-lo participar, mas para chefiar o governo. Nenhum homem antes dele havia sido primeiro-ministro com idade de 24 anos, e poucos deixaram marcas mais profundas na história da Inglaterra.
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau

domingo, 7 de outubro de 2018

O Conservadorismo Anglo-Saxão 5 - Os Protagonistas - Charles James Fox

Will & Ariel Durant História da Civilização


Fox era Inglês, rico, radical, mantendo apenas a parcela de religião que pudesse comportar jogo, bebida, amantes e a Revolução Francesa. Era o terceiro filho e o favorito de Henry Fox, que herdou uma fortuna, esbanjou-a, casou-se com uma outra, acumulou uma terceira como pagamento das tropas, auxiliou Bute a comprar os M.P (Membros do Parlamento), foi recompensado por ter sido feito Barão Holland, sendo denunciado como tendo incorrido em uma dívida pública de muitos milhões. Sua mulher, Caroline Lennox, era neta de Carlos II com Louise de Kéroualle, de modo que Charles James tinha nas veias o sangue aguado de um devasso rei Stuart e de uma francesa de moral fácil. Seus próprios nomes consistiam em memórias dos Stuart, e deve ter irritado os ouvidos hanoverianos.  

Lady Holland tentou educar os filhos dentro do espírito de integridade e responsabilidade, mas Lorde Holland fazia as vontades de Charles em tudo, invertendoem seu favor as antigas máximas: Nunca faça hoje o que pode deixar para fazer amanhã, nem faça por si mesmo o que pode mandar outro fazer. Quando o menino tinha apenas quatorze anos, seu pai tirou-o de Eton para uma viagem pelos cassinos e estações de águas, no Continente, dando-lhe cinco guinéus por noite para jogar. O jovem voltou a Eton um refinado jogador, conservando o hábito de Oxoford.



O Eton College comumente conhecido apenas como Eton e fundado sob o nome de King's College of Our Lady of Eton beside Windsor é uma escola interna para garotos, fundada em 1440 por Henrique VI da Inglaterra. Educa mais de 1.300 alunos, com idades entre 13 e 18 anos. Embora seja chamada escola pública, no Reino Unido tal nomenclatura refere-se predominantemente a escola particular. O Eton College localiza-se em Eton, Berkshire, perto de Windsor, Inglaterra, Tem uma longa lista de alunos e ex-alunos famosos, incluindo dezenove ex-primeiro-ministros britânicos, os dois atuais príncipes do Reino Unido, o herdeiro do trono britânico, príncipe William e o seu irmão príncipe Harry. A escola é membro do Grupo Eton de escolas independentes no Reino Unido. O Eton é sinônimo do elitismo britânico, com anuidades que beiram as 35.000 libras esterlinas, cerca de 155.000 reais.

Encontrava tempo para inúmeras leituras tantos dos clássicos como da literatura inglesa, porém abandonou Oxford após dois anos, a fim de despender dois anos viajando. Aprendeu francês e italiano, perdeu dezesseis mil libras em Nápoles, visitou Voltaire em Ferney, recebendo dele uma lista de livros para esclarecê-lo na teologia cristã. Em 1768, o pai comprou-lhe um burgo e Charles tomou assento no Parlamento com a idade de dezenove anos, o que era absolutamente ilegal. Contudo, tantos membros ficaram impressionados pelo encanto pessoal do jovem, assim como por sua presumível riqueza, que nenhum protesto se fez ouvir. Dois anos depois, por influência do pai, foi feito lorde do Almirantado no ministério de Lord North. Em 1774, o pai, a mãe e o irmão mais velho morreram, e Charles viu-se dono de grande fortuna. 


Na idade madura, sua aparência física era tão descuidada quanto a moral. Suas meias eram mal pregadas e frouxas, o rosto tímido e avermelhado pelo excesso de comida e bebida, e quando se sentava a barriga protuberante ameaçava cair-lhe sobre os joelhos. Por ocasião de um duelo com William Addam recusou o conselho de sua testemunha de tomar a postura lateral dizendo: De qualquer lado que me vire, sou igualmente grosso. Não se esforçava em ocultar seus defeitos. O mexerico corrente é que se tratava de uma amável vítima dos trapaceiros. Certa vez (é Gibbon quem nos diz) jogou por 24 horas uma partida, perdendo nesse espaço de tempo duzentas mil libras. Fox dizia que o maior prazer da vida, depois de ganhar, era perder. Tinha uma coudelaria de cavalos de corrida, apostava neles somas enormes e (somos solicitados a acreditar) ganhava mais do que perdia.
Era, às vezes, tão descuidado de seus princípios políticos quanto de sua moral e vestuário. Inclinava-se à indolência e não preparava seus discursos parlamentares com o mesmo desvelo e estudo que distinguiam Burke. Não possuía graça como orador, e não procurava tê-la. Seus discursos eram sempre informes e repetitivos, por vezes escandalizando os gramáticos. Atira-se no meio de suas frases, dizia o erudito Richard Porson, deixando ao Deus Todo-Poderoso a tarefa de fazê-lo sair novamente. Entretanto, tinha o dom de tanta presteza de espírito, e uma memória prodigiosa, que se tornou, no consenso geral, o mais hábil debatedor da Casa. Charles Fox, escreveu Horace Walpole, derrubou o velho Saturno (Chatham) do trono da oratória.

Os contemporâneos de Fox minimizavam suas faltas, de vez que elas eram amplamente compartilhadas, e quase todos provavam suas virtudes. Numa grande parte de sua vida, após 1774, adotava as causas liberais, sacrificando imprudentemente cargos e popularidade. Escarnecendo o vício, Burke, não obstante, amava Fox, porque via que ele se dedicava altruisticamente à justiça social e liberdade humana. É um homem feito para ser amado, dizia Burke. Possui um temperamento simples, ingênuo e benevolente, extremamente desinteressado, de gênio brando e clemente em relação ao erro, sem uma gota de acrimônia. Gibbon concordou: Talvez nenhuma criatura humana tenha sido tão totalmente isenta de qualquer laivo de malevolência, vaidade ou falsidade. Apenas Jorge III era imune àquele charme espontâneo. 

Em As Esperanças do Partido (1791), Gillray, o célebre caricaturista inglês, representou Fox com um machado prestes a atacar a cabeça de Jorge III, em referência à Revolução Francesa.


Em 6 de maio de 1791, um confronto choroso no plenário dos Comuns (oficialmente, e um tanto irrelevante, durante um debate sobre as particularidades de um projeto de lei para o governo do Canadá) finalmente destruiu a amizade de um quarto de século entre Fox e Burke. Este último atravessou dramaticamente o piso da casa para sentar-se ao lado de Pitt, recebendo o apoio de uma boa parte dos mais conservadores Whigs com ele. Mais tarde, em seu leito de morte em 1797, Burke mandaria sua esposa afastar Fox em vez de permitir uma reconciliação final. Apesar de Fox ter pouco interesse no exercício real do poder e ter passado quase toda a sua carreira política na oposição, ele se tornou conhecido como um ativista antiescravagista, um defensor da Revolução Francesa e um importante defensor parlamentar dos direitos religiosos. tolerância e liberdade individual. Sua amizade com seu mentor Burke e sua credibilidade parlamentar foram as baixas do apoio de Fox à França durante as Guerras Revolucionárias, mas ele passou a atacar a legislação de guerra de Pitt e a defender a liberdade de minorias religiosas e radicais políticos. Após a morte de Pitt em janeiro de 1806, Fox serviu brevemente como Secretário de Relações Exteriores no "Ministério de Todos os Talentos" de William Grenville, antes de morrer em 13 de setembro de 1806, aos 57 anos.
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau

O Conservadorismo Anglo-Saxão 4 - Os Protagonistas - Edmund Burke

Will & Ariel Durant História da Civilização


Não era inglês exceto por adoção, não pertencendo a nenhuma aristocracia, salvo a do espírito. Talvez sua simpatia, que durou a vida inteira, pelos católicos da Irlanda e da Inglaterra, deva-se ao fato de sua mãe e irmã terem sido católicas, assim como sua constante ênfase sobre o fato de ser a religião um baluarte indispensável à moralidade do Estado. Recebeu educação formal em uma escola quacre em Ballitore, e na Universidade de Trinity, em Dublin. Aprendeu bastante latim para admirar as orações de Cícero, tornando-as o alicerce de seu estilo dialético. 

Em 1750, foi para a Inglaterra a fim de estudar direito no Middle Temple. Mais tarde, elogiou o direito como a ciência que faz mais para tornar a compreensão viva e vigorosa do que todos os outros estudos juntos, porém achava que ela não está apta, exceto nas pessoas nascidas em condições muito favoráveis, para abrir e liberalizar a mente exatamente na mesma proporção. Por volta de 1775, seu pai suspendeu-lhe a mesada sob alegação de que ele estava negligenciando seus estudos de direito para seguir outros caminhos. Parecia que Edmund desenvolvia gosto para a literatura, constantemente frequentando teatros, e os clubes onde se realizavam debates, em Londres. Há uma lenda sobre ele ter-se apaixonado pela famosa atriz Peg Woffington. Burke escreveu a um amigo, em 1757: Rompi com todos os regulamentos, negligenciei qualquer decoro. E passou a descrever sua maneira de vida como variegada de diversos desenhos. Às vezes estava em Londres, outras, em partes remotas do país, algumas vezes na França, e, em breve, se Deus quiser, na América”.

Além disso, nada sabemos a respeito de Burke nesses anos experimentais, a não ser que, em 1756, em sequência irregular, publicou dois livros extraordinários e se casou. Um dos livros intitulava-se A Vindication of Natural Society, or a View of the Miseries and Evils arising to Mankind from Every Species of Artificial Society. A Letter to Lord – By a late Noble Writer (Reivindicação da Sociedade Natural, ou Aspecto dos Sofrimentos e Males que Recaem Sobre a Humanidade Procedentes de Toda Espécie de Sociedade Artificial. Carta a Lorde – Por um Antigo Nobre Escritor). Este ensaio, de umas 45 páginas, constitui vigoroso libelo contra qualquer governo, ele é muito mais anarquista do que o Discurso sobre a Origem das Desigualdades, de Rousseau, que aparecera há apenas um ano. Burke definiu a sociedade natural como uma sociedade fundada em decorrências de apetites e instintos naturais, e não resultante de uma positiva instituição:

'O desenvolvimento das leis era uma degenerescência. A história é um registro de carnificinas, traição e guerra, e a sociedade política é justamente acusada da maior parte dessa destruição. Todos os governos seguem os princípios de Maquiavel, rejeitam quaisquer restrições morais, dando aos cidadãos um exemplo desmoralizador de cobiça, roubo e homicídio. A democracia em Atenas e Roma não trouxe nenhuma cura para os males do governo, pois logo tornou-se uma ditadura pela habilidade dos demagogos em conquistar admiração por parte das maiorias simplórias. A lei é a injustiça codificada. Protege os ociosos ricos contra os pobres explorados, acrescentando um novo mal – advogados. “A sociedade política transformou em muito a propriedade de poucos”. Basta olhar a condição dos mineiros da Inglaterra e considerar se tal miséria poderia ter existido em uma sociedade natural – isto é, antes de fazerem as leis. Devemos não obstante, aceitar o Estado como a religião que o apoia, como necessário a natureza do homem? Absolutamente não.



Se estamos resolvidos a submeter a nossa razão e liberdade à usurpação civil, nada temos a fazer senão conformarmo-nos o mais silenciosamente possível às noções (populares) vulgares a ela relacionadas, adotando a teologia do plebeu, assim como a sua política. Mas, se julgarmos essa necessidade mais imaginária do que real, renunciemos aos sonhos deles de uma sociedade, juntamente com as suas visões religiosas, e reivindiquemos a nossa liberdade.'

Isso tem o tom audacioso e a raivosa sinceridade de um jovem rebelde, um jovem de espírito religioso mas que rejeita a teologia estabelecida, sensível à pobreza e à degradação que vira na Inglaterra, um talento cônscio de si mesmo, mas ainda sem lugar e posição na voragem do mundo. Qualquer um, jovem e ativo, passa por esta fase no seu caminho para as posições, posses e um conservadorismo alarmante que vamos encontrar em Reflections on The Revolution in France, de Burke. Notamos que o autor de Vindication cobria sua trajetória de anonimato, até mesmo fazendo-se de morto. Quase todos os leitores, inclusive William Warburton e o Conde de Chesterfild, compreenderam que essa trajetória era uma verdadeira investida aos males correntes, e muitos o atribuíram ao Visconde de Bolingbroke, que, tendo morrido em 1751, era um Nobre Escritor falecdo. Nove anos após a publicação do ensaio, Burke apresentou-se candidato à eleição do Parlamento. Temeroso de que sua agitação da juventude fosse prejudica-lo reimprimiu-o em 1765 com um prefácio que dizia: O objetivo da pequena peça literária que se segue era demonstrar que (...) a mesma máquina (literária) utilizada na destruição da religião poderia ser empregada com idêntico sucesso na subversão do governo. A maioria dos biógrafos de Burke aceitou a explicação como sincera. Não podendo acompanha-los, compreendemos, entretanto, o esforço de um candidato político para proteger-se contra o preconceito popular. Qual de nós teria um futuro se seu passado fosse conhecido? A primeira coisa que um home fará por seus ideais é mentir. J.A. Schumpeter.

Tão eloquente quanto a Vindication, e muito mais sutil, foi a outra publicação de Burke, em 1756: A Philosophical Enquiry into the Origins of the Sublime and Beautiful (Investigação Filosófica sobre a Origem do Sublime e do Belo), à qual, numa segunda edição acrescentou A Discourse on Taste (Discurso sobre o Gosto). Temos que admirar a coragem deste jovem de 27 anos ao dedicar-se a esses assuntos evasivos uma década anterior ao Laocoonte de Lessing. Deve ter-se guiado pela introdução do Livro II de Lucrécio, De rerum natura: quando os ventos agitam as águas de um mar poderoso, é agradável presenciar da terra uma outra grande luta, não por constituir prazer assistir à angústia de alguém, mas porque é reconfortante ver de que perigos você mesmo se libertou. De modo que Burke escreveu: As paixões que pertencem à outopreservação transformam-se em sofrimento e perigo. São absolutamente penosas quando seus efeitos de imediato nos afetam e deliciosas quando temos uma ideia de sofrimento e do perigo sem estarmos realmente em tais circunstâncias. (...) O que quer que excite esse prazer eu chamo de sublime.” E, em seguida: todas as obras de grande esforço, despesa, e magnificência são sublimes (...) e todas as construções de grande riqueza e esplendor, (...) pois ao contemplá-las a mente aplica as ideias da grandeza do esforço necessário para produzir tais obras àquelas mesmas obras. Melancolia, escuridão e mistério ajudam a despertar o sentido do sublime. Daí a preocupação dos construtores medievais em deixar entrar em suas catedrais apenas uma luz tênue filtrada para seus interiores. As ficções românticas, tais como Castelo de Otranto de Horace Walpole (1764), ou Mistérios de Udulpho de Ann Radcliffe (1794). Aproveitaram-se dessas ideias.

A Beleza, disse Burke, é um nome que aplicarei àquelas qualidades nas coisas que nos induzem ao sentido de afeição e ternura, ou qualquer outra paixão que mais se assemelhe a essas. Rejeitava a clássica redução dessas qualidades à harmonia, unidade, proporção e simetria. Concordamos que o cisne é belo, embora seu longo pescoço e cauda curta sejam desproporcionais ao corpo. Em geral o que é belo é pequeno (por conseguinte, contrastando com o sublime). Não me recordo de nada belo que não seja macio. Uma superfície quebrada ou áspera, um ângulo agudo ou uma súbita projeção irão nos perturbar, limitando nosso prazer mesmo nos objetos que de outra maneira seriam belos. Um ar de robustez e força é muito prejudicial à beleza. A aparência de delicadeza, e até mesmo de fragilidade, é quase essencial a essa qualidade. A cor acrescenta a beleza, sobretudo se é variada e viva, mas não forte e brilhante. – Estranho é dizer que Burke não indagava se uma mulher era bela por ser pequena, macia, delicada, colorida, ou se essas qualidades parecem belas porque nos fazem lembrar a mulher, que é bela porque é desejada. 

De qualquer modo, June Nugente era atraente, e Burke casou-se com ela naquele ano fecundo de 1756. Ela era filha de um médico irlandês e católica, mas logo adotou o culto anglicano. Seu gênio brando e gentil acalmava o temperamento irascível do marido.

A impressão despertada pelo estilo, se não os argumentos de Vindication e Enquiry, abriram as portas para Burke. O Marquês de Rockingham Contratou-o na qualidade de secretário, apesar da advertência do Duque de Newcastle de que Burke era um irlandês selvagem, um jacobita, um papista oculto e jesuíta. Mais tarde, em 1765, Burke foi eleito para o Parlamento pelo burgo de Wendover, através da influência de Lorde Verney “que era dono do burgo”. Na Câmara dos Comuns, o novo membro granjeou reputação de eloquente, mas pouco persuasivo. A voz era áspera, a pronuncia irlandesa, os gestos desajeitados, os gracejos grosseiros, as denúncias indevidamente apaixonadas. Somente quando o liam é que percebiam estar ele criando uma literatura da mesma forma como falava – domínio da língua inglesa, descrições brilhantes, grau de cultura, suas comparações e a faculdade de levar a filosofia às questões da vida diária. Talvez tais qualidades estivessem prejudicadas nos Comuns. Alguns dos que o ouviam, diz-nos Goldsmith, gostava de vê-lo enroscar-se em suas palavras como uma serpente, mas muitos outros impacientavam-se com sua riqueza de detalhes, suas digressões para a teoria, o floreado de seus discursos, suas frases de períodos grandes e maciços, seus voos de elegância literária. Queriam considerações práticas e aplicabilidade imediata. Elogiavam lhe os discursos, porém, ignoravam seus conselhos. Assim é que, quando Boswell disse que Burke parecia um gavião, Johnson contradisse: sim, mas ele não pega nada. Até o fim ele defendia políticas desagradáveis ao povo, ao ministério e ao rei. Sei, dizia, que o caminho por mim trilhado não é o que me possa trazer lucro.

Parece que, durante os dias de sua ascensão, Burke leu muito e judiciosamente. Um contemporâneo descreveu-o como uma enciclopédia, da qual todo mundo recebia esclarecimentos. Fox fez-lhe um elogio ilimitado: Se ele (Fox) colocasse em uma balança toda a informação política que havia captado nos livros, toda a que obtivera da ciência e toda a que qualquer conhecimento do mundo e suas ocorrências lhe houvessem ensinado, e numa outra balança todos os esclarecimentos obtidos das instruções e palestras do seu prezado amigo, ficaria indeciso sobre qual escolher. Johnson, que costumava dispensar elogios em pequenas doses, concordou com Fox: Você não poderia ficar cinco minutos com este homem debaixo de um alpendre enquanto chovesse, mas ficaria certo de que estivera em companhia do maior homem que jamais viu.

Burke aderiu ao grupo de Johnson-Reynolds por volta de 1758. Nunca encetava debates com o invencível polemista, temendo o seu próprio gênio tanto como o de Johnson, mas quando o fazia, o Grande Khan encolhia as garras. Quando Johnson (Samuel Johnson) ficava doente, e alguém mencionava o nome de Burke, o nosso doutor exclamava: Esse camarada subtrai-me todos os recursos. Se eu visse Burke agora, morreria. Contudo, os dois homens concordavam em todas as questões básicas sobre política, moral e religião. Aceitavam o regime aristocrático da Grã-Bretanha, embora ambos fossem cidadãos sem nobreza. Desprezavam a democracia como a entronização da mediocridade. Advogavam o cristianismo ortodoxo e a Igreja oficial como insubstituíveis baluartes da moral e da ordem. Apenas a revolta das colônias americanas os dividia. Johnson considerava-se em tory, denunciando os whigs como criminosos e loucos. Burke considerava-se um whig, apresentando uma defesa dos princípios tories mais consistente e bem estruturada do que qualquer homem na história da Inglaterra.

Samuel Johnson (Lichfield, 18 de Setembro de 1709 - Londres, 13 de Dezembro de 1784), também conhecido em língua inglesa como Dr Johnson, foi um escritor e pensador inglês que conhecido por suas notáveis contribuições à língua inglesa como poeta, ensaísta, moralista, biógrafo, crítico literário e lexicógrafo. Possivelmente o "mais distinto homem de letras da história da Inglaterra", Johnson é personagem da "mais reconhecida biografia do mundo da literatura", o trabalho Life of Samuel Johnson de James Boswell.

Em 1737, com seu aluno David Garrik, foi para Londres, onde iniciou intensa atividade de crítico e jornalista. Em pouco tempo conquistou grande reputação, confirmada com a publicação de A vida de Richard Savage, em 1744 e do Dicionário da língua inglesa, em 1755. Ao mesmo tempo, colaborou com a revista The Rambler (1750/52) e depois em The Idler, (1758/60). A influência literária de Samuel Johnson tornou-se cada vez maior, especialmente depois que criou em 1764 um clube literário com os amigos Edward Gibbon, Joshua Reynolds, Oliver Goldsmith e Edmund Burke.

Por vezes, Burke parecia apoiar os elementos mais questionáveis para a eleição dos membros ou a promulgação das leis. Julgava perdoáveis os burgos “rotten” (podres, subornáveis) ou “pocket” (circunscrição eleitoral dominada por uma só pessoa ou família, na Inglaterra), de vez que o enviavam ao Parlamento gente boa como ele próprio. Em vez de se ampliar o sufrágio, achava que reduzindo o número contribuiriam para a qualidade e independência dos eleitores. Não obstante, patrocinou centenas de causas liberais. Advogava liberdade de comércio antes de Adam Smith e atacava o tráfico de escravos antes de Wilberforce. Atacava a inabilitação política dos católicos, apoiando a petição dos Dissidentes relativamente a amplos direitos civis. Procurou suavizar a severidade bárbara do código penal, e os obstáculos da vida militar. Reivindicou liberdade de imprensa, embora ele mesmo houvesse sentido suas ferroadas. Punha-se ao lado da Irlanda, da América e da Índia, diante da maioria chauvinista. Pugnava pelo Parlamento, contra o rei, com uma candura e audácia que afastava qualquer risco de lhe serem impostas penalidades. Podemos contestar seus pontos de vista e suas razões, porém, jamais duvidar de sua coragem.


Uma festa literária na casa de Sir Joshua Reynolds. A gravura de 1851, mostra os amigos de Reynolds - muitos dos quais eram membros do "The Club" Da esquerda para a direita - Boswell, Samuel Johnson, Joshua Reynolds, David Garrick, Edmund Burke, Pasqual Paoli, Charles Burney, Thomas Warton e Oliver Goldsmith, em pé com a bandeja um servente, possvelmente Francis Barber.

A última cruzada da carreira de Burke – contra a Revolução Francesa – custou-lhe a amizade de um homem a quem há muito admirava e amava. Charles James Fox retribuiu-lhe a afeição, compartilhando com ele dos perigos de lutas em uma dúzia de causas, porém, deferia de Burke em quase todas as qualidades de espírito e caráter, exceto humanidade e bravura. Burke era irlandês, pobre, conservador, religioso moral. Fox era Inglês, rico, radical, mantendo apenas a parcela de religião que pudesse comportar jogo, bebida, amantes e a Revolução Francesa. 

Sobre Vindication of Natural Sociaty e a explicação de Burke não aceita por Durant no sentido de que “O objetivo da pequena peça literária que se segue era demonstrar que (...) a mesma máquina (literária) utilizada na destruição da religião poderia ser empregada com idêntico sucesso na subversão do governo.” Acrescenta-se da Obra – Edmund Burke Redescobrindo um Gênio – Russel Kirk:

A obra A Vindication of Natural Society, que nos primeiros dias conferiu renome a Edmund Burke, foi uma resposta ao finado Visconde de Bolingbroke; contudo, antecipou a esmagadora investida que lançaria contra Rousseau nos últimos anos de vida. O homem não é plenamente homem – assim discorre o argumento perpétuo de Burke – até que seja totalmente civilizado; adquire sua natureza suprema quando se faz membro de uma cultura, de uma ordem social civil. No selvagem, a verdadeira natureza de homem encontra-se somente em estado de latência.

Assim, Vindication é um exitosíssimo exercício de ironia. Parodiando magistralmente o estilo célebre de Bolinbroke, Burke pôs-se  a demonstrar que, se a religião natural é preferível ao conhecimento religioso que adquirimos pela Revelação, pela reta razão e por milhares de anos de experiência em comunidade religiosa, então a sociedade natural deve ser preferível aos benefícios da sociedade justa, livre e ordenada que obtemos por intermédio de complexas instituições econômicas e políticas

Certa vez Samuel Johnson deu como exemplo de frase irônica: Bolingbroke é um homem santo. Bolingbroke, engenhoso e liberalizante, afirmara que o homem não necessita dos dogmas, doutrinas e instituições da Igreja Cristã, mas emendar-se segundo uma religião natural instituída com base nos instintos e no juízo privado. Para atacar essa falácia de vez, Burke arremedou a teoria de Bolingbroke, expondo as consequências de tais noções quando aplicadas ao corpo político. Qualquer homem educado, argumentou, pode perceber o absurdo de uma sociedade natural, conveniente tão somente para selvagens, como substituta da intricada ordem social da Europa, que preserva os homens da anarquia. Por analogia, uma religião natural só poderia reduzir o homem à anarquia do espirito e dos costumes. Em questões espirituais, assim como em questões temporais, necessitamos da justa autoridade, da sabedoria dos ancestrais e das instituições que foram elaboradas com dificuldade, ao longo dos séculos, por homens que, às apalpadelas, buscavam meios para conhecer a Deus e para conviver entre si e com seus semelhantes. 

Diversas vezes, ao longo de sua carreira política, os opositores de Burke, empenharam-se, de maneira inescrupulosa, em utilizar tal livro dos primórdios de sua carreira para ataca-lo, afirmando que havia insultado seriamente a Igreja e o Estado – embora quem quer que conhecesse Burke soubesse muitíssimo bem que essa obra-prima de ironia era criação de um homem imbuído dos ensinamentos e da tradição cristãos e do mais temível defensor de usos políticos consagrados. Na segunda edição da obra, de fato, Burke achou por bem declarar que era um escrito irônico, e em várias ocasiões repetiu essa afirmação, que deveria ter parecido óbvia a qualquer pessoa, menos ao iletrado. Assim, a tentativa de alguns anarquistas filosóficos do século XX de representar Burke como um defensor de um modo de existência social anárquica, “natural”, é assaz absurda. (Um exemplo da defesa dessa postura é a visão de Murray N. Rothbard (1926-1995) sobre Edmund Burke, seguida até hoje por muitos libertários – A Note On Burke’s Vindication of Natural Society).

Da obra “Os Clássicos da Política, Vol. II” de Francisco Weffort: (...) Em 1756 surge seu primeiro trabalho: A vindication of the Natural Society. Plublicado anonimamente e no estilo de Bolingroke, renomado pensador político, este ensaio de filosofia social era uma sátira dirigida às ideias deste pensador. E Burke imitou seu estilo de forma tão perfeita que mesmo os críticos acreditaram se tratar de uma obra de Bolingbroke. A verdadeira autoria só viria a ser conhecida com a segunda edição do livro, em cujo prefácio Burke explica sua intenção satírica. 

Burke em defesa do Parlamento – Durante todo o período que vai de 1766 a 1794, Burke foi um atuante membro do Parlamento e, como tal, esteve presente nos principais acontecimentos políticos da Inglaterra dos meados do século XVIII. Referir-se a esta época e a este lugar é situarmo-nos em um período histórico em que já despontavam na Inglaterra sinais do grande surto econômico provocado pela Revolução Industrial; significa, também, colocarmo-nos em um país onde há quase um século ocorrera a derrocada da monarquia absolutista (Carlos I) e onde a ordem capitalista já se tornara parte do status quo, instaurada como foi na Inglaterra por um processo de acomodação progressiva do novo na velha ordem tradicional. 

Num contexto mais específico, a época em que Burke iniciou sua carreira política coincide com um evento que iria ter consequências significativas na política britânica: a ascensão de Jorge III ao trono da Inglaterra. Tornando-se rei em 1760, Jorge III iria tentar de todas as formas assegurar um papel mais ativo para a Coroa, a qual, desde a Revolução Gloriosa de 1688, havia perdido influência em benefício do fortalecimento do Parlamento. Assim, os primeiros 35 anos do reinado de Jorge III foram marcados pela ação deliberada do rei com vistas a reverter, a qualquer custo, a tendência prevalecente nas décadas anteriores, de modo a reconquistar para a Coroa o poder efetivo. E, nesta luta, Edmund Burke se colocou ao lado do Parlamento, defendendo o regime parlamentar e a ordem constitucional inglesa. Um dos escritos mais notáveis sobre esta problemática, é sem dúvida, o panfleto de Burke datado de 1770 e intitulado Thoughts on The cause of the presente discontents, (Pensamentos sobre a causa dos descontentamentos presentes). Fazendo uma análise da situação política da época, Burke argumentava no sentido de mostrar que as ações de Jorge III chocavam-se com o espírito da Constituição; e denunciava como prática de favoritismo o critério pessoal na escolha dos ministros. Combatendo a camarilha do rei, Burke defendia a escolha dos membros do ministério segundo bases públicas, isto é, através da aprovação do Parlamento, que representa a soberania popular (1?). É neste ensaio que encontramos, pela primeira vez expressa de forma inequívoca, uma defesa dos partidos políticos como instrumentos de ação conjunta na vida pública

Burke e a Soberania Popular – Com relação a América, Burke, em seus pronunciamentos, defendia a necessidade de se encontrar uma solução harmônica para o problema daqueles que, em verdade, eram descendentes dos ingleses e que, como estes, possuíam o espírito de liberdade que tão bem encarnavam as instituições britânicas; argumentava que estava em risco não apenas as liberdades dos americanos mas a próprias liberdades dos ingleses. 

Se foi em nome dessas liberdades que Burke se insurgiu contra as investidas da Coroa em tentar aumentar seu poderio interna e externamente, foi em nome da ordem e das tradições inglesas que Burke iniciara uma cruzada contra o acontecimento histórico mais surpreendente de sua época, a Revolução Francesa de 1789. Sua hostilidade desmensurada a este movimento revolucionário sem precedentes, que causara entusiasmo entre os ingleses, inspirou-lhe a produção de sua mais importante obra: Reflexões sobre a revolução em França, publicada em 1790. Esta obra foi motivada por um pronunciamento do dissidente protestante Richard Price, que, elogiando a Revolução Francesa, elegia-a como modelo aos britânicos. Assim é que grande parte desta obra tem por fim dinamitar os argumentos dos defensores na Inglaterra daquelas ideias radicais que impulsionaram a Revolução, as quais Burke temia que fossem generalizadas. Desta maneira, Burke discute as ideias fundamentais que animaram o movimento, tais como a questão da igualdade, dos direitos do homem e da soberania popular; alerta contra os perigos da democracia em abstrato e da mera regra do número; ainda afirma Burke que a virtude, o espírito e a essência da Câmara dos Comuns consiste em ser ela a imagem expressa dos sentimentos da nação. Ela não foi instituída para ser um controle sobre o povo. Ela foi planejada como um controle para o povo. Assim, tem uma posição-chave nesse arranjo constitucional a Câmara dos Comuns, através da qual o povo está representado. No entanto, o caráter representativo desta Câmara é para Burke muito mais virtual do que real, e tem pouco a ver com a base eleitoral, mesmo porque Burke se opunha à extensão do sufrágio. Segundo burke, os interesses têm uma realidade objetiva e são o fruto de debate de deliberação entre homens de sabedoria e de virtudes, não se confundindo com os meros desejos e opiniões do povo. É nesse sentido que Burke defendia o mandato independente na atividade de um representante. Como argumenta em seu famoso discurso aos eleitores de Bristol. “O Parlamento é uma assembleia deliberante de uma nação, com um único interesse – o de todos; onde não deveriam influir fins e preconceitos locais, mas o bem comum”. É, portanto um direito e um dever dos membros do Parlamento seguir sua própria consciência e julgamento, independente, ao invés de obedecer aos desejos ou instruções de sua base.

Burke também questiona o caráter racionalista e idealista do movimento, salientando não se tratar simplesmente do fato de estar a revolução provocando o desmoronamento da velha ordem, mas de estar causando a deslegitimação dos valores tradicionais, destruindo assim toda uma herança em recursos materiais e espirituais arduamente conquistada pela sociedade. Contrapondo-se a esses males, Burke exalta as virtudes da sabedoria tradicional, da prescrição, da aceitação de uma hierarquia social e da propriedade, e da consagração religiosa da autoridade secular. É particularmente nesta obra que se encontram expostos de forma mais clara os fundamentos e traços conservadores do pensamento de Burke.

Burke e as AbstraçõesÉ uma tarefa demasiado árdua discutir em uma breve apresentação os vários e intrincados aspectos envolvidos no pensamento de Burke, principalmente por se tratar de um pensador e político que nunca chegou – nem mesmo nas Reflexões – a expor de modo sistemático suas ideias fundamentais. Estas, ao contrário, emergem em meio a críticas e argumentos construídos na discussão acerca de questões concretas. Sua despreocupação com a sistematização de seu pensamento muito se deve ao fato de esposar uma visão hostil às abstrações. Para Burke, as concepções teóricas, sem contato com a realidade, muitas vezes obstruem ou corrompem a ação política, por não levar em consideração as circunstâncias complexas em que os problemas estão envolvidos: São as circunstâncias que fazem com que qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade. Desse modo, princípios abstratos não podem ser simplesmente aplicados na solução de problemas políticos reais. De fato, foi essa a primeira grande objeção de Burke à Revolução Francesa, um movimento motivado por princípios abstratos como a liberdade e a igualdade. Isso não significa, no entanto, que Burke tenha evitado fazer generalizações teóricas. "Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim." José Ortega y Gasset 

Burke e a História - A busca de significado na história perpassa todos os discursos e escritos mais importantes de Burke. Podemos conjecturar o futuro apenas pela apreensão do passado, defendia Burke; e, quanto ao presente, anteviu – ainda que não em tantas palavras – o aforismo de George Santayana de que aqueles que ignoram o passado estão condenados a repeti-lo. A história é um registro da ação da Providência, acreditava – ainda que os caminhos de Deus muitas vezes sejam misteriosos para nós.

Burke a Constituição e a Coroa - Burke bateu-se com o rei e com a maioria dos ministros por trinta anos; fez oposição a Jorge III com especial mordacidade durante a disputa a respeito da política norte-americana, ao acreditar que, se o rei tivesse sucesso em diminuir as liberdades norte-americanas imediatamente tornara as políticas inglesas tão arbitrárias (ignorando a constituição) como as d Jaime II. Entretanto sempre foi leal à instituição da Coroa, e quando os radicais começaram a falar de reis cassados aos moldes da França, Burke (mudando de frente mas não de fundamento) voltou-se contra tais inimigos da antiga constituição com um vigor que excedeu até o demonstrado diante das aspirações de George III. 

“A reverência pela Igreja e pela Coroa, pela história e pela tradição, a preferência pela sociedade orgânica em lugar de uma filosofia atomística de direitos naturais dos revolucionários do século XVIII tornaram-nos inimigos dos whigs foxistas.” Escreveu Carl B. Cone (1916-1995) a respeito de Burke e seus amigos. 

Burke e a Escravidão

Burke também não desejava que os norte-americanos obtivessem cadeiras na Câmara dos Comuns. Esse projeto era impraticável. Além do mais, como escrevera na The Annual Register de 1765, dar distritos eleitorais às colônias que admitiram a instituição da escravidão não estaria em consonância com a natureza do Parlamento:
(...) o senso comum (bom senso) e, mais ainda, a autopreservação parecem impedir que aqueles que se permitem ter direitos ilimitados sobre a liberdade e a vida de outrem possam partilhar qualquer fração da elaboração das leis para aqueles que há muito tempo já renunciaram a tais distinções cruéis e injustas.  

Burke – Conservadorismo Reformista? Da obra O grande debate  Edmund Burke, - Yuval Levin

Uma das principais questões sobre Burke foi a dúvida se ele teve um conjunto de opiniões durante a vida ou se a Revolução Francesa o transformou de algum modo. Como vimos, ele passou as primeiras duas décadas de sua carreira política defendendo vários tipos de reforma: das finanças do governo inglês, de seu tratamento das minorias religiosas, de sua política comercial e outras. Passou grande parte do tempo lutando contra a inércia da política inglesa. Mas, depois da revolução na França, que temia que pudesse ser importada para a Grã-Bretanha, transformou-se, acima de tudo, em um defensor constante das tradições políticas inglesas. Opôs-se vigorosamente a todos os esforços para enfraquecer o poder da monarquia e da aristocracia, bem como alertou contra reformas na política fundamental (como movimentos na direção de uma maior democratização), que poderiam separar a nação de suas longas tradições. Consequentemente, às vezes foi acusado de modificar suas visões básicas e se voltar contra antigos partidários e amigos. A acusação foi ouvida pela primeira vez ainda em vida (enunciada por Paine, entre outros) e repetida por alguns de seus biógrafos e interpretadores desde então.

Mas tal acusação interpreta erroneamente suas visões iniciais e tardias, negligenciando os argumentos que ofereceu tanto como reformador quanto como conservador da tradição política inglesa. Esses argumentos eram sempre sobre encontrar equilíbrio entre estabilidade e mudança — a questão que, como veremos, estava no âmago de suas ambições. Nas palavras finais de Reflexões sobre a revolução na França, claramente prevendo a acusação de inconsistência, ele se descreveu como “alguém que deseja preservar a consistência, mas que pretende fazê-lo variando os meios de chegar a esse fim e que, quando a estabilidade do navio em que viaja pode ser ameaçada pelo sobrepeso em um dos lados, deseja carregar o pequeno peso de suas razões para aquilo que pode preservar essa estabilidade”.

Essa imagem de um homem tentando equilibrar seu navio — ou equilibrar seu país em um mar de problemas — contra várias ameaças à sua preciosa estabilidade é adequada, à luz das variadas causas e argumentos de Burke durante sua movimentada carreira. Ele foi um reformador quando alguns elementos da constituição inglesa ameaçavam sufocar o todo. Foi um preservador quando lhe pareceu, como disse David Bromwich, “que a revolução é a suprema inimiga da reforma”.4 Estabilidade, para Burke, não é estagnação, mas uma maneira de pensar sobre a mudança e a reforma, e sobre a vida política em geral. Como veremos, essa foi uma metáfora central em seu pensamento político.
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau

O Conservadorismo Anglo-Saxão 3 - Os Protagonistas - William Pitt I, o Velho

Will & Ariel Durant História da Civilização
William Pitt I, o Velho, nasceu em 15 de novembro de 1708 em Londres. A situação econômica da sua família, cuja fortuna fora amealhada por Thomas Pitt, o seu avô, que enriquecera na Índia, permitiu-lhe desfrutar de uma cuidada educação no Colégio de Eton, no Trinity College, na Universidade de Oxford e na Universidade de Utrecht, Países Baixos.

Ingressou na vida política em 1735, como membro da Câmara dos Comuns. Defendeu a tese de que o poderio marítimo e as possessões coloniais seriam mais importantes para seu país do que as conquistas européias, por serem as colônias a base do sistema comercial britânico. Liderou, por seus dotes oratórios, a corrente dos "patriotas" contra o pacifismo de Sir Walpole e contribuiu para a queda do seu ministério em 1742, além de opor-se à política do rei Jorge II. Este o afastou mediante sua nomeação para cargos executivos na administração, nos quais adquiriu fama como homem honesto.
Retornou à vida política pela pressão da opinião pública ante as primeiras derrotas britânicas na Guerra dos Sete Anos contra a França (1756 a 1763) (perda de Menorca e Calcutá). De início a Inglaterra estava muito debilitada, todavia fortaleceu-se em 1757, quando William Pitt e o duque de Newcastle, numa combinação de experiência e entusiasmo, formaram um ministério dominado pelo primeiro. No poder, Pitt aplicou a tática de enfrentar a França em suas colônias e no mar, o que conduziu à vitória britânica. Dessa época data também o domínio britânico sobre o Canadá. A morte de Jorge II, em 1760, mudou a situação política, já que seu sucessor, Jorge III, decidiu reinar de forma pessoal. Pitt deixou o governo em 1761, quando o rei e o Parlamento rejeitaram seu conselho para atacar a Espanha. Criticou fortemente o Tratado de Paris (1763), apesar de garantir à Grã-Bretanha a situação de potência dominante.

No segundo período à frente do governo, entre 1766 e 1768, foi feito visconde de Pitt e conde de Chattam. Defendeu com sucesso a resistência dos colonos americanos à Lei do Selo (Stamp Act), vindo a conseguir a anulação da mesma, numa tentativa de sustar as medidas que levariam à guerra de independência americana. O rei Jorge III atribuiu-lhe a liderança de um governo não-partidário para tentar resolver as tensões criadas entre a metrópole e a colónia; contudo, o seu segundo ministério falhou, vindo a desintegrar-se em 1768. Em 1778, na Casa dos Lordes, proferiu um discurso contra a independência americana que marcou o fim da sua carreira política.
Ao retirar-se da política ativa, encontrava-se abalado física e mentalmente. Pitt morreu em 11 de maio de 1788 em Hayes, Kent. Seu filho, William Pitt II, o Novo, foi um dos mais brilhantes primeiros-ministros da Inglaterra e restabeleceu a prosperidade depois da crise causada pela Guerra da Independência dos Estados Unidos.

Ele podia ser arrogante e obstinado – muito mais do que Jorge III. Sentia-se o guardião propriamente dito do império que havia sido criado sob a sua direção, e quando o rei de fato encontrou o rei de direito, seguiu-se um duelo pelo trono. Pitt era pessoalmente honesto, invulnerável ao suborno que florescia ao seu redor. Contudo, pensava na política apenas em termos de poderio nacional, não permitindo que nenhum sentimento de humanidade viesse desviá-lo da resolução de tornar a Inglaterra uma nação suprema. Era denominado O Grande Membro dos Comuns (The Great Commoner) por ser o homem mais importante da Câmara dos Comuns e não porque pretendesse melhorar a sorte do homem comum. Todavia, levantou-se em defesa dos americanos e do povo da Índia contra a opressão inglesa. Como o rei, ressentia-se das críticas, e não tinha aptidão para esquecer ou perdoar. Não podia servir o rei, a menos que pudesse governa-lo. Demitiu-se do cargo (1761) quando Jorge III insistiu em violar o compromisso com Frederico e fazer uma paz em separado com a França. Se no fim foi vencido, seu inimigo não foi outro senão a gota. 

A influência de Pitt na política inglesa era comparada à influência de Edmund Burke sobre o pensamento na Inglaterra. Pitt desapareceu do cenário em 1778 e Burke nele surgiu em 1761, prendendo a atenção dos homens cultos do país, sem interrupção, até 1794. O fato de ter nascido em Dublin (1729), filho de advogado, pode tê-lo prejudicado na luta para conquistar posição política e poder. 
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau

O Conservadorismo Anglo-Saxão 2 - Os Protagonistas - Jorge III

Will & Ariel Durant História da Civilização
Os personagens do drama destacam-se entre os mais famosos da história da Inglaterra. No topo estava Jorge III, que ocupava o trono nos anos fatídicos (1760-1820) nos quais a Inglaterra enfrentou as revoluções americana e francesa e as Guerras Napoleônicas. 

Jorge III, Rainha Carlota e seus Seis Filhos Mais Velhos, por Johann Zoffany em 1770 na Royal Collection. Esquerda para direita: Guilherme, Jorge, Frederico, Eduardo, Jorge III, Carlota e Augusta Sofia com a rainha Carlota.


Jorge III foi o primeiro monarca hanoveriano nascido na Inglaterra a considerar-se Inglês e a manter interesse absorvente nos negócios ingleses. Era neto de Jorge II e filho do insubordinado Frederico Luís, Príncipe de Gales, que morreu em 1751. O futuro Jorge III tinha então doze anos. Sua mãe, Princesa Augusta de Saxe-Gotha, assustada com “os jovens nobres mal-educados e depravados” que havia encontrado, tinha-o afastado de tais companhias, criando-o – entre nove filhos – num isolamento ascético dos jogos, alegrias, agitação e pensamento de seus pares e de seu tempo. Ele cresceu tímido, apático, piedoso, sem instrução e infeliz. “Se eu algum dia tiver um filho” disse ele à severa mãe, “não o tornarei tão infeliz como você me tornou”. Ela transmitiu-lhe o escárnio de seu avô por ter tolerado a supremacia do Parlamento. Por várias vezes pedia-lhe, “Jorge, seja um rei!” – reavindo a liderança ativa do governo. A tradição sempre questionada, credita ao jovem ter sido influenciado pela Idea of Patriot King de Bolingbroke (1749), que exortava os governantes a “governar assim como reinar” e (enquanto “deixava o Parlamento reter os poderes que possuía”) instituir medidas tendo em vista iniciar medidas para melhorar a vida na Inglaterra. Um dos professores de Jorge, Lorde Waldegrave, descreveu-o em 1758 como “absolutamente honesto, carecendo, contudo, daquele comportamento franco e aberto que torna a honestidade agradável... Não lhe falta resolução, porém, misturada com uma demasiada obstinação... Seu temperamento demonstra aspectos melancólicos, os quais (...) serão fontes de frequentes angústias.” Estas qualidades acompanharam-no até o fim de sua sanidade.
Depois da morte do pai de Jorge, a viúva encetou estreita amizade com John Stuart, Conde de Bute, primeiro camarista nas dependências do príncipe. Em 1751, Bute tinha 38 anos e já estava casado com Mary Wortley Montagu, filha da famosa Lady Mary do mesmo nome. Nos últimos anos anteriores à coroação de Jorge, este aceitou Bute como seu preceptor e confidente. Admirava a cultura e a integridade do escocês, com prazer e gratidão recebia seus conselhos, sendo por ele preparado para uma agressiva liderança no governo. Quando o jovem príncipe pensou em propor casamento à bela Lady Sarah Lennox, de quinze anos, cedeu triste, porém, afetuosamente aos conselhos de Bute de que devia casar-se com alguma princesa estrangeira que auxiliaria a sedimentar uma proveitosa aliança política. “Rendo-me, colocando meu futuro em suas mãos”, escreveu, “escondendo meus pensamentos do caro objeto de meu amor, sofrerei em silêncio, e nunca mais o perturbarei com esta história infeliz, porque entre perder meu amigo ou meu amor, desistirei deste último, pois prezo a sua amizade acima de qualquer alegria terrena”. Ao subir ao trono, Jorge levou Bute consigo.

Lady Sarah Lennox (14 de Fevereiro de 1745 - 26 de Agosto de 1826) foi a mais conhecida das irmãs Lennox, filhas de Charles Lennox, 2.º Duque de Richmond. Após a morte de ambos os seus pais quando tinha apenas cinco anos de idade, Lady Sarah foi educada pela sua irmã mais velha, Emily FitzGerald, duquesa de Leinster, na Irlanda. Lady Sarah regressou a Londres quando tinha treze anos, passando a viver com outra das suas irmãs, Caroline Fox, baronesa Holland. Sendo uma favorita do rei Jorge II desde criança, Sarah era convidada frequente na corte e foi lá que chamou a atenção do príncipe Jorge de Gales, futuro rei Jorge III, que tinha conhecido ainda criança.

Seu reinado foi o mais calamitoso da história da Inglaterra, e para isso ele contribuiu. No entanto, era indiscutivelmente cristão e geralmente um cavalheiro. Aceitou a teologia da Igreja Anglicana, observando seus rituais sem qualquer ostentação, e repreendeu um pregador da corte que elogiou-o durante um sermão. Imitava seus inimigos políticos ao adotar o suborno, aprimorando-lhes os ensinamentos. Contudo, era um exemplo de virtudes na vida particular. Em uma geração que se salientava pela licenciosidade sexual, deu à Inglaterra o exemplo de fidelidade conjugal, que simplesmente contrastava com os adultérios de seus predecessores e as irregularidades de seus irmãos e filhos. Era a própria delicadeza em tudo, exceto na religião e na política. Embora pródigo nas dádivas, era homem de hábitos e gostos simples. Proibiu o jogo na sua corte. Trabalhava resolutamente no governo, atendendo aos mais simples detalhes, enviando instruções a seus auxiliares e ministros umas doze vezes ao dia. Seu puritanismo não era severo. Amava o teatro, música e danças. Não lhe faltava coragem, pois combateu tenazmente seus inimigos políticos no decurso de meio século. Em 1780, enfrentou corajosamente uma turba violenta, conservando domínio de si nos dois atentados contra sua vida. Reconhecia francamente seus defeitos de educação. Manteve-se até o fim relativamente alheio à literatura, ciência e filosofia. Se demonstrava pequena deficiência mental, talvez tenha sido devido a algo nos seus genes ou alguma negligência dos professores, assim como as mil tensões que cercam um rei. 
Um dos defeitos de Jorge era a desconfiança e inveja de toda habilidade e independência. Jamais pôde perdoar a William Pitt I sua consciente superioridade nos aspectos políticos, compreensão, profundidade de pensamento, força e eloquência oratória, qualidades marcantes na carreira desse homem extraordinário, a partir de seu ingresso no Parlamento (1735) até seu triunfo na Guerra dos Sete Anos.
A Guerra dos Sete Anos foi uma série de conflitos internacionais que ocorreram entre 1756 e 1763, durante o reinado de Luís XV, entre a França, a Monarquia de Habsburgo e seus aliados (Saxônia, Império Russo, Império Sueco e Espanha), de um lado, e a Inglaterra, Portugal, o Reino da Prússia e Reino de Hanôver, de outro. Vários fatores desencadearam a guerra: a preocupação das potências europeias com o crescente prestígio e poderio de Frederico II, o Grande, Rei da Prússia; as disputas entre a Monarquia de Habsburgo e o Reino da Prússia pela posse da Silésia, província oriental alemã, que passara ao domínio prussiano em 1742 durante a Guerra de Sucessão Austríaca; e a disputa entre a Grã-Bretanha e a França pelo controle comercial e marítimo das colônias das Índias e da América do Norte. Também foi motivada pela disputa por territórios situados na África, Ásia e América do Norte.
A fase norte-americana foi denominada Guerra Franco-Indígena (ou Guerra Francesa e Indígena), e participaram a Inglaterra e suas colônias norte-americanas contra a França e seus aliados algonquinos. A fase asiática iniciou o domínio britânico nas Índias.
Foi o primeiro conflito a ter carácter mundial, e o seu resultado é muitas vezes apontado como o ponto fulcral que deu origem à inauguração da era moderna. A Guerra foi precedida por uma reformulação do sistema de alianças entre as principais potências europeias, a chamada Revolução Diplomática de 1756, e caracterizou-se pelas sucessivas derrotas francesas na Alemanha (Rossbach), no Canadá (queda de Québec e Montreal) e na Índia. O conflito terminou com a vitória da Inglaterra e seus aliados.
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau

𝐍𝐨𝐧 𝐇𝐚𝐛𝐞𝐦𝐮𝐬 𝐏𝐚𝐩𝐚𝐦!

"Nada aprendem e nada esquecem... "  Tanto a História como obras dessa índole ☝  são testemunhas e provas de que desde 31 de Outub...