Portanto, Richard tinha o chiste em seu meio, se não no sangue. Nascido em Dublin (1751), foi para Harrow aos onze anos, lá permanecendo seis anos, tendo adquirido uma boa educação clássica. Aos vinte, imitou o avô ao publicar traduções do grego. No ano de 1771, quando vivia em Bath com seus pais, ficou enlevado com a voz e o rosto encantador de Elizabeth Ann Linley, de dezessete anos, que cantava nos concertos apresentados por seu pai, o compositor Thomas Linley.
A pintura de Thomas Gainsborough em 1768 de Elizabeth com seu irmão Thomas; o título original anterior a 1817 era A Beggar Boy and Girl.
Aqueles que verem os retratos dela, pintados por Gainsborough compreenderão que Richard nada mais tinha a fazer senão ficar encantado. Tampouco ela, se pudermos dar crédito à irmã dele, que o achava irresistivelmente belo e encantador. Suas faces tinham o brilho da saúde, os olhos mais belos do mundo. (...) Um coração terno e afetivo (...) A mesma fantasia brincalhona, a mesma graça inofensiva de primeira ordem, que surgiram mais tarde em sua obra literária, alegravam e encantavam o círculo familiar. Eu o admirava, quase adorava-o. De bom grado teria sacrificado minha vida por ele.
Elizabeth Ann tinha muitos pretendentes, inclusive o irmão mais velho de Richard. Um deles, o Major Mathews, rico porém casado, importunou-a de tal forma que ela tomou láudano para matar-se. Recuperou-se, mas perdeu todo o desejo de viver, até que a dedicação de Richard reanimou-lhe o espírito. Mathews ameaçou força-la. Dividida entre o temor e o amor, fugiu com Sheridan para a França, casou-se com ele (1772), e depois refugiou-se num convento nas proximidades de Lille, enquanto Richard voltava à Inglaterra para conciliar seu pai e o dela. Empenhou-se em dois duelos com Mathews. Vitorioso no primeiro, poupou a vida de Matheus. Embriagado no segundo, desarmou o adversário, fazendo com que o duelo degenerasse em luta, voltando a Bath todo sujo de sangue, vinho e lama. O pai renegou-o, mas Thomas Linley trouxe Elizabeth Ann de volta da França, sancionando seu casamento (1773).
Demasiado orgulhoso para deixar sua mulher sustenta-lo cantando em púbico, Richard, com 22 anos, resolve fazer fortuna escrevendo peças teatrais. Em 17 de janeiro de 1775, sua primeira comédia, Os Rivais, foi representada em Covent Garden. Foi mal representada e mal aceita. Sheridan obteve um ator melhor para o papel principal e a segunda apresentação (28 de janeiro) deu início a uma série de sucessos dramáticos que trouxeram a Sheridan fama e riqueza. Logo toda Londres falava em Sir Anthony Absolute, Sir Lucius O’Trigger e Miss Lydia Languish, assim como imitava a deturpação das palavras por Mrs. Malaprop (Esqueça esse camarada, apague-o completamente de sua memória, e Teimoso como uma alegoria nas margens do Nilo), Sheridan possuía um tesouro de chistes na cabeça, os quais eram espalhados em todas as páginas, enriquecendo os lacaios com inteligência, e fazendo os bobos falarem como filósofos. Os críticos reclamavam que os tipos nem sempre eram consistentes com seus discursos, e que os chistes, crepitante em todas as cenas, borbulhantes em quase todas as bocas, tornavam-se sem lustro pelo excesso. Não importa. As audiências deliciavam-se com a diversão e deliciam-se até nossos dias.
Ainda maior foi o sucesso de The Duenna, que teve sua estréia em Covent Garden, no dia 2 de novembro de 1775. Permaneceu em cartaz 75 noites, na primeira estação, batendo o recorde das 63 registrado pela Ópera dos Mendigos, em 1728. David Garrik, do Drury Lane Theatre, alarmou-se com aquela viva competição, mas não conseguia encontrar melhor réplica do que reviver The Discovery, uma peça da mãe de Sheridan, recém falecida. Entusiasmado com o sucesso, Sheridan ofereceu-se para comprar metade da cota que Garrik possuía do Drury Lane. Este, sentindo a idade, concordou, mediante a quantia de 35 mil libras. Sheridan convenceu seu sogro a contribuir com dez mil libras, ele próprio investindo 1300 libras em dinheiro, o restante obtendo através de um empréstimo (1776). Dois anos depois, juntou mais 35 mil libras e apropriou-se do teatro juntamente com seus sócios, assumindo a direção.
Muitos julgaram que ele superestimava sua autoconfiança, porém Sheridan partiu para outro triunfo produzindo (8 de maio de 1777) A Escola da Maledicência, o drama de maior sucesso do século. O pai do autor, amuado desde a fuga de Richard, cinco anos atrás, estava agora reconciliado com o filho. Depois dessas vitórias, deu-se uma pausa na ascensão de Sheridan. As representações em Drury Lane não eram populares, e o fantasma da bancarrota assustou os seus sócios. Sheridan salvou a situação com uma farsa, A Crítica, uma sátira dos dramas trágicos e dramáticos pânditas. Entretanto, sua costumeira procrastinação interveio, de dois dias antes da data estipulada para a estreia ele ainda não havia escrito a cena final. Usando de astúcia, seu sogro e outros atraíram-no a uma sala no teatro, trancando-o ali, não sem antes lhe terem dado papel, pena, tinta e vinho, pedindo-lhe para terminar a peça. De lá saiu Sheridan com o resultado esperado. A peça foi ensaiada e julgada satisfatória. A estreia foi 29 de outubro de 1779, um outro sorriso da sorte ao trêfego irlandês.
Drury Lane é o teatro mais antigo da Inglaterra. Fundado em 1663 com o nome Royal.
Olhou em seu redor para ver se havia outros mundos a conquistar e decidiu ingressar no Parlamento. Pagou aos cidadãos de Stafford cinco guinéus pelo voto deles e, em 1780, tomou assento na Câmara dos Comuns, como ardoroso liberal. Juntamente com Fox e Burke combateu Warren Hastings e, num dia de grande brilhantismo, suplantou os outros dois. Entrementes, viva com sua esposa prendada, feliz e rico, famoso por sua conversação, sagacidade, exuberância, delicadeza e dívidas. Lord Byron sintetizou o milagre: O que quer que Sheridan fizesse, ou escolhia fazer, era excelente, sempre o melhor no gênero. Escreveu a melhor comédia, o melhor drama, (...) a melhor farsa, (...) a melhor alocução (Monologue on Garrick) e, para coroar tudo isso, fez o melhor discurso (...) jamais concebido ou ouvido neste país. E havia conquistado e conservado o amor da mais bela mulher da Inglaterra.
Sheridan era de temperamento completamente romântico. É difícil imaginá-lo no mesmo mundo e na geração de William Pitt II, o qual só reconhecia a realidade, mantinha-se acima do sentimento e governava sem eloquência. Nascera em 1759, no auge da carreira de seu pai. Suma mãe era irmã de George Gresnville, primeiro ministro de 1763 a 1765. Foi amamentado dentro da política, crescendo com o odor do Parlamento. Franzino e doente na infância, foi resguardado dos rigores e dos contatos socializantes dos colégios “públicos”. Recebeu instrução em casa sob cuidadosa supervisão do pai, que lhe ensinou dicção fazendo-o recitar Shakespeare ou Milton todos os dias. Com dez anos, era um intelectual clássico já havendo escrito uma tragédia. Aos quatorze anos, foi mandado para Cambridge, mas logo ficou doente, voltando para casa. Um ano depois voltou novamente e, por ser filho de nobre, foi graduado Master of Arts (detentor de grau universitário de professor) sem passar por exame. Estudou advocacia em Lincoln’s Inn, exercendo a profissão por muito pouco tempo, sendo em seguida projetado para o Parlamento com a idade de 21 anos por um burgo “pocket” controlado por Sir James Lowther. Seu discurso inaugural apoiou tão bem a proposta de Burke para reformas econômicas, que este último chamou-o não o “filho que saiu ao pai, porém o próprio pai”.
Drury Lane é o teatro mais antigo da Inglaterra. Fundado em 1663 com o nome Royal.
Olhou em seu redor para ver se havia outros mundos a conquistar e decidiu ingressar no Parlamento. Pagou aos cidadãos de Stafford cinco guinéus pelo voto deles e, em 1780, tomou assento na Câmara dos Comuns, como ardoroso liberal. Juntamente com Fox e Burke combateu Warren Hastings e, num dia de grande brilhantismo, suplantou os outros dois. Entrementes, viva com sua esposa prendada, feliz e rico, famoso por sua conversação, sagacidade, exuberância, delicadeza e dívidas. Lord Byron sintetizou o milagre: O que quer que Sheridan fizesse, ou escolhia fazer, era excelente, sempre o melhor no gênero. Escreveu a melhor comédia, o melhor drama, (...) a melhor farsa, (...) a melhor alocução (Monologue on Garrick) e, para coroar tudo isso, fez o melhor discurso (...) jamais concebido ou ouvido neste país. E havia conquistado e conservado o amor da mais bela mulher da Inglaterra.
Por ser o segundo filho, tinha direito apenas a trezentas libras anuais, com ocasionais adjutórios da mãe e dos tios. Essas condições contribuíram para sua simplicidade de conduta e caráter. Evitou o casamento, por achar não poder dividir a promessa que fizera a sim mesmo de conquistar o poder. Não encontrava prazer nem no jogo nem no teatro. Embora mais tarde bebesse em excesso para entorpecer os nervos após os tumultuados momentos políticos, conquistou reputação de vida pura e objetivos incorruptíveis. Podia comprar, mas não podia ser comprado. Nunca procurou a riqueza, e raras vezes fazia concessões às amizades. Só os íntimos, e esses eram muito poucos, descobriam atrás de sua maneira fria e arredia e seu autocontrole, uma alegria afável, às vezes até ternura afetiva.
Já em 1782, quando o ministério de Lorde North estava para renunciar, “o menino”, como alguns parlamentares condescendentes designavam Pitt, inseriu em um de seus discursos uma declaração um tanto inusitada: De minha parte, não poderei esperar participar de uma nova administração, porém se estivesse ao meu alcance fazê-lo, sinto-me no dever de declarar que nunca aceitaria uma posição subalterna. O que queria dizer que não aceitaria nenhum lugar inferior aos seis ou sete postos que vinham a ser o chamado ministério. Quando o novo ministério ofereceu-lhe o cargo de vice-ministro da Irlanda com cinco mil libras anuais, ele recusou, continuando a viver com suas trezentas libras. Estava certo de que iria galgar altos postos, mas esperava obtê-los por seus próprios méritos. Trabalhou com afinco, tornando-se o homem melhor informado nos Comuns sobre política interna, indústria e finanças. Um ano após sua orgulhosa declaração, o rei dirigiu-se a ele, não apenas para fazê-lo participar, mas para chefiar o governo. Nenhum homem antes dele havia sido primeiro-ministro com idade de 24 anos, e poucos deixaram marcas mais profundas na história da Inglaterra.
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau
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