segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O Conservadorismo Anglo-Saxão 7 - Rei versus Parlamento


Will & Ariel Durant, História da Civilização
Jorge II completou seu reinado de 33 anos com verdadeira aversão pela política inglesa. Estou com um enjoo de morte desse negócio idiota, e desejo de todo o coração que o diabo leve todos os seus bispos, seus ministros, o Parlamento, e toda esta ilha, contanto que eu possa sair dela e ir para Hanover. Encontrou a paz em 25 de outubro de 1760, sendo enterrado na Abadia de Westminster.
A ascensão de Jorge III no dia da morte de seu avô (era neto de Jorge II e filho do insubordinado Frederico Luís, Príncipe de Gales, que morreu em 1751) foi entusiasticamente saudada por quase todos os ingleses, exceto uns poucos que ainda suspiravam pelos Stuarts. Tinha 22 anos, era belo, trabalhador e modesto. (Foi o primeiro rei inglês, desde Henrique VI, a omitir no seu título a reivindicação de soberania sobre a França.) No primeiro discurso que dirigiu ao Parlamento, acrescentou ao texto preparado pelos ministros palavras que nenhum de seus predecessores hanoverianos podia ter falado: Nascido e educado neste país, honro-me com o nome de britânico. O jovem rei, escreveu Horace Walpole, tem toda a aparência de ser afável. Alia graça a muita dignidade, e tem um gênio extremamente bom, o qual se manifesta em qualquer ocasião. Aumentou sua popularidade pela proclamação publicada em 31 de outubro, tendo em vista o incentivo da religiosidade e virtude, e punição do vício, sacrilégio e imoralidade. Em 1761 casou-se com a Princesa Carlota Sofia de Macklengurg-Strelitz. Não obstante sua ausência de charme, com ela gerou quinze filhos, não lhe restando tempo para o adultério. O fato foi sem precedentes, tratando-se de um rei hanoveriano.

As Dinastias e Casas que reinaram na Inglaterra

Depois da batalha de Hasting acontecida no dia 14 de outubro de 1066, fato que foi divisor­ de ­água na história da Inglaterra seis dinastias e quatro casas reais governaram o país até os dias atuais: as seis dinastias são a Normanda entre 1066 e 1154; a Plantageneta entre 1154 e 1399; a Tudor entre 1485 e 1603; a Stuart entre 1603 e 1714; a Hannoverentre 1714 e 1901 e a atual dinastia de Windsor desde 1914 que na verdade é o prolongamento da casa Saxe­Coburg­Gotha e da dinastia Hannover, uma vez que em razão da Primeira Guerra Mundial (1914­1918), considerou­se por bem subtrair a origem alemã da mesma. As quatro casas reais foram a de Lancaster entre 1399 e 1471; a de York entre 1461 e 1485; a de Orange-Nassau entre 1689 e 1702 e a de Saxo-Coburgo-Gotha entre 1901 e 1910. O livro British Kings & Queens, desde a batalha de Hasting (1066), relaciona sete dinastias: Normanda (1066­1154), Plantageneta (1154­1399), Lancaster (1399­1485), Tudor (1485­1603), Stuart (1603­1714), Hannover (1714­1901) e Windsor (desde 1910)1. A rigor a diferença entre a dinastia e a casa real está na forma como elas se posicionaram na história do país, entre eles no aspecto sucessório. Tanto a dinastia como a casa real têm, ambas, a mesma importância e peso governativo, inclusive de legitimidade sucessória, mesmo que muitas vezes sob rupturas cruéis com a dinastia ou casa anterior. As dinastias, sobretudo, se diferenciam das casas reais porque afirmaram uma linha sucessória mais longa que a casa e, dentro do nosso critério, todas tiveram mais de três reis herdando sucessivamente a coroa ou trono do reino.

Não aprovava a Guerra dos Sete anos, já rodando há quatro, achando que um reajuste poderia ser efetuado com a França. William Pitt I, secretário de Estado para o Departamento Sul e figura dominante no ministério do Duque de Newcastle, insistia no prosseguimento da guerra até a França ficar enfraquecida ao ponto de não haver mais possibilidade de desafiar o império que havia sido criado pelas vitórias da Grã-Bretanha no Canadá e na Índia. Além do mais, insistia, nenhuma paz seria feita exceto em conjunto com o aliado da Inglaterra, Frederico, o Grande. Em março de 1761, o Conde de Bute foi feito secretário de Estado para o Departamento Norte, dando seguimento ao plano de uma paz em separado. Em vão, Pitt resistiu e, em 5 de outubro, renunciou. Jorge abrandou-o com uma pensão de três mil libras para ele e seu herdeiro, e um título de nobreza para sua mulher, que se tornou Baronesa de Chatham. Até 1677, Pitt recusou um título para si mesmo, de vez que isso iria excluí-lo do seu campo de batalha predileto, a Câmara dos Comuns. Tendo ele se referido, com ironia, às pensões, foi severamente criticado por aceitar esses emolumentos, porém, eram menos do que ganhara, e outros que haviam ganho muito menos receberam muito mais.


Em maio de 1762, o Duque de Nescastle deixou o posto depois de 45 anos de preeminência política. Três dias depois, Bute sucedeu-o na qualidade de primeiro ministro. Então, os objetivos do jovem rei tomaram forma e impulso. Ele e Bute consideraram parte das prerrogativas reais determinar as linhas gerais da política, principalmente nos negócios externos. Além do mais, o rei ansiava quebrar o domínio que algumas famílias ricas tinham em relação ao governo. Em 1761, um artigo whig, William Pulteney, Conde de Bath, num panfleto anônimo, urgia para que o rei não se contentasse com as sombras da realeza, mas, ao invés, empregasse prerrogativas legais para obstar reivindicações ilegais de uma jocosa oligarquia.
A maioria na Câmara dos Comuns sustentava que o rei devia escolher seus ministros dentro dos reconhecidos líderes do partido ou facção vitoriosa nas eleições. Jorge insistiu no direito legal que lhe cabia, o de escolher seus ministros independentes de partido, sem restrições, exceto sua responsabilidade para com a nação. Os whigs haviam arquitetado o acesso do eleitor hanoveriano ao trono da Inglaterra. Alguns tories tinham negociado com os Stuarts exilados. Inevitavelmente, os dois primeiros Jorges tomaram apenas whigs em seus governos, e a maioria dos tories tinha-se retirado. Mas em 1760 eles aceitaram a nova dinastia, vindo em número considerável prestar homenagens ao rei nascido na Inglaterra. Jorge deu-lhes as boas-vindas, não vendo razão para que não pudesse nomear tanto tories como whigs que fossem eficientes. Os whigs, protestaram, dizendo que o rei era livre de escolher ministros e determinar políticas sem responsabilidade para com o Parlamento, a “Carta dos Direitos” de 1689 seria violada, a autoridade do rei chegaria ao nível reivindicado por Carlos I, e as revoluções de 1642 e 1688 (Guerra Civil/Rev. Puritana e Rev. Gloriosa) ficariam nulas. O sistema partidário tinha seus defeitos, mas (os dirigentes argumentaram) era indispensável aos governos responsáveis. Oferecia uma oposição a cada ministério que o observava, criticava-o e (quando os eleitores assim o desejassem) podia substituí-la por homens habilitados para alterar a direção da política sem perturbar a estabilidade do Estado. Eram estas as fileiras formadas para o primeiro conflito de grandes proporções entre os poderes do novo reino. Bute suportou o impacto da batalha. Ao rei foram poupadas críticas, mas não à sua mãe. Libelos acusavam-na de ser a amante de Bute. Esta calúnia despertou no rei um ódio sem contemporizações. Bute concluiu uma paz em separado com a França e, para forçar a aquiescência de Frederico, cortou o subsídio da Inglaterra à Prússia. Frederico chamou-o de patife e continuou a batalha. O povo inglês, embora satisfeito de ver a guerra terminada, denunciou a paz como muito clemente para a França derrotada. Pitt invectivou-a, prevendo que a França, com sua marinha intacta, muito em breve recomeçaria a guerra contra a Inglaterra – o que ela fez em 1778. A Câmara dos Comuns ratificou o tratado, por 319 a 65. A mãe de Jorge alegrou-se por ter prevalecido a vontade real. Agora, disse ela, meu filho é realmente Rei da Inglaterra.

Até então o novo soberano gozara reputação de íntegro. Mas quando viu que os whigs estavam comprando votos dos parlamentares e contratando jornalistas para atacar sua política, resolveu melhorar a tática. Utilizou seus fundos e seu poder de patrocínio para induzir autores como Smollett para defenderem os objetivos e atividades do ministério. Talvez Bute tivesse tais serviços em vista, quando, em julho de 1762, convenceu o rei a dar uma pensão a Samuel Johnson, e não se decepcionou. Entretanto, nenhum partidário do ministério podia contrabalançar as inteligentes invectivas de John Wilkes, as selvagens sátiras de Charles Churchill, ou as verberações anônimas de Júnio. Libelos contra a corte, excedendo em audácia e rancor qualquer coisa publicada por muitos anos, agora pareciam diariamente, tanto em prosa como em verso.


O Parlamento tomou o dinheiro do rei dando-lhe votos, porém não gostava de seu primeiro-ministro, um escocês que não tinha subido por meio de grandes serviços a alguns partidos nos Comuns. A aversão aos escoceses ainda se fazia sentir fortemente na Inglaterra, que não se esquecera da invasão escocesa de 1745. Além disso, Bute havia beneficiado seus conterrâneos: Fizera Robert Adam e Allan Ramsey, respectivamente, arquiteto e pintor da corte (ignorando Reynolds). Concedeu uma pensão a John Home, o dramaturgo escocês, enquanto recusava um posto de professor a Thomas Gray. O povo de Londres expressou seus sentimentos enforcando ou queimando uma bota de montar (jackboot: como um jogo de palavras para bute) e atacando sua carruagem. Bute viu-se obrigado a esconder o rosto quando ia ao teatro. Os impostos sobre a sidra desagradaram a população rural, tornando Bute o ministro mais impopular da história da Inglaterra. Incapaz de fazer frente à avalancha, de ânimo e saúde abatidos, percebendo sua incapacidade para a agitação e intrigas políticas, Bute demitiu-se (8 de abril de 1763) após período de menos de um ano na qualidade de ministro do rei.
Seu sucessor, George Grenville sofreu três reveses: foi atacado na imprensa pelo invencível John Wilkes (1763), fez tramitar pelo Parlamento (março de 1765) a Lei do Selo, que principiou a desunião das colônias americanas, e Jorge III teve o seu primeiro acesso de loucura. 



A Lei do Selo (Stamp Act ou Duties in American Colonies Act 1765, em inglês) foi aprovada pelo Parlamento Inglês em 1765, estabelecendo que todos os documentos em circulação na colônia americana deveriam receber selos provenientes da metrópole. A Lei do Selo determinava que todos os jornais, livros e documentos publicados nas colônias deveriam pagar uma taxa, o que implicava mais despesas para os colonos. Segundo o Stamp Act, qualquer pessoa que usasse ou comprasse algo impresso em papel teria que comprar um selo de receita para ele. A imagem (a)mostra uma folha de prova parcial de selos de um centavo. A imagem (b) fornece um close-up de um carimbo de um centavo.



O fracasso e a demissão de Bute abalaram os nervos e a decisão do rei. O casamento não lhe trouxera felicidade, e Grenvilleera desagradavelmente independente, quase dominador, Jorge III restabeleceu-se logo, porém não se sentiu bastante forte para resistir à oligarquia whig que controlava a maioria do Parlamento e da imprensa. Tentou uma ação intermediária ao convidar um whig, o Marquês de Rockigham, para formar novo ministério. Talvez por sugestão de seu secretário, Edmund Burke, o marquês fez passar pelo Parlamento várias medidas brandas. O imposto sobre a sidra foi abolido ou modificado, a Lei do Selo revogada. Um tratado com a Rússia incentivou o comércio, a agitação ocasionada por Wilkes foi superada, aparentemente não sendo necessário nenhum suborno para fazer passar essa legislação. O rei ressentia-se com a revogação do imposto, assim como as concessões a Wilkes. Em 12 de julho de 1766, demitiu o ministério Rockingham, ofereceu um título honorífico a Pitt, pedindo-lhe que se encarregasse do governo, Pitt aquiesceu.

Entretanto, o Grande Homem do Povo perdera a saúde e a disposição de ânimo. Passou, então, a sacrificar o que lhe restava de popularidade aceitando o título de nobreza como Conde de Chatham, por conseguinte abandonando sua situação na Câmara. Tinha uma certa desculpa. Sentia-se muito fraco para suportar as tensões e conflitos dos Comuns. Na Câmara dos Lorde teria mais lazer e menor tensão. Tomou o cargo relativamente tranquilo de lorde do Selo Privado, permitindo a seu amigo, o Duque de Grafton, ocupar o posto preeminente de primeiro lorde do Tesouro. Seus colegas, entretanto, observaram que ele determinava a política sem consulta-los e muitos ficaram aliviados quando ele partiu para Bath a fim de encontrar o alívio para a gota. Conseguiu-o, porém a custa de drogas que lhe perturbaram a mente. Ao retornar a Londres, não estava em condições de tornar-se primeiro-ministro. Em outubro de 1768, pedi demissão, e Grafton ocupou aquele posto.

Foi nesse período de anarquia política (1766-68) que um grupo conhecido como Os Amigos do Rei associou-se para pôr em andamento os objetivos reais. Orientaram Jorge na distribuição de favores para apoio político, empregando todos os meios para elegerem candidatos, e favorecer ministros que concordavam com os pontos de vista do rei. Quando Grafton emaranhou-se em dificuldades e erros, eles acobertaram amigavelmente tais dificuldades até sua demissão (27 de janeiro de 1770). Em 10 de fevereiro, conseguiram sua maior vitória quando Frederick North (por nós conhecido como Lord North, embora só fosse herdeiro desse título em 1790) deu início aos doze anos de serviço na qualidade de ministro do Tesouro.
Homem fraco North, contudo, não era mau. Foi seu senso de lealdade e caridade que o conservou no posto, granjeando-lhe um lugar tão desagradável na história. Nascido rico como filho do Conde de Guilford, recebeu todas as vantagens da educação e conhecimentos, e ingressou na Câmara dos Comuns com a idade de 22 anos, mantendo-se no posto por quase quarenta anos. Conquistou muitas amizades em virtude de sua modéstia, delicadeza, afabilidade e humor. Quando um orador queixou-se que North dormiu durante seu discurso, este respondeu que era injusto reclamar o fato dele ter tomado um remédio fornecido pelo próprio ilustre cavalheiro. Quando um membro, irado, exigiu sua cabeça no cadafalso, North respondeu que poderia cedê-la prazerosamente, contanto que não tivesse de aceitar em troca a do seu colega. Entretanto, seguia muito à risca o lado conservador para agradar quem quer que fosse, exceto o rei. Apoiou a lei do Selo, a expulsão de Wilkes e (até a última fase) a guerra com a América. Defendeu a política de Jorge III, mesmo quando duvidava de sua sensatez. Considerava-se o agente do rei, não do Parlamento, muito menos do povo, parecendo sincero em sua convicção de que o soberano tinha o direito legal de escolher ministros e dirigir a política. Através de North, assim como o tato que tinha em dirigir a Câmara dos Comuns – e dos fundos votados pelo Parlamento – Jorge III por dez anos governou a Inglaterra. Por intermédio de seus agentes comprou assentos e votos, vendeu pensões e postos, subsidiou jornalistas, tentando agrilhoar a imprensa. Constitui prova de sua coragem e obstinação o fato de que foi necessária uma combinação de John Wilkes, “Júnio”, Burke, Fox, Sheridan, Franklin e Washington para derrota-lo.
Will Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

𝐍𝐨𝐧 𝐇𝐚𝐛𝐞𝐦𝐮𝐬 𝐏𝐚𝐩𝐚𝐦!

"Nada aprendem e nada esquecem... "  Tanto a História como obras dessa índole ☝  são testemunhas e provas de que desde 31 de Outub...