terça-feira, 13 de novembro de 2018

O Conservadorismo Anglo-Saxão 8 - O Parlamento versus Povo


Will & Ariel Durant, História da Civilização
Lemos no Journal de Gibbon, com data de 23 de setembro de 1762:

O Coronel Wilkes jantou conosco (...) Poucas vezes defronto-me com melhor companhia. Possui um espírito incansável, argúcia infinita e humor, assim como muita cultura. Contudo, é um completo libertino tanto nos princípios como na prática. Seu caráter é infame, sua vida deformada por todos os vícios, e sua conversação cheia de blasfêmias e obscenidades. Glorifica-se com esta moral – porque a vergonha é uma fraqueza há muito por ele superada. Contou-nos que nesse tempo de dissensões públicas, estava resolvido a tentar sua sorte.

 Este era o ponto de vista de um conservador que votou com o governo nos oito anos como membro da Câmara dos Comuns, e que não podia facilmente simpatizar com um confesso inimigo ativo do Parlamento e do rei. Entretanto, Wilkes teria admitido a maior parte da referida acusação. Tinha-se descartado da ética, assim como da teologia do cristianismo, divertindo-se em atirar seu hedonismo no rosto dos M.P., os quais partilhavam sua moral mas alarmavam-se com sua franqueza.



John Wilkes, 17 de outubro de 1725 - 26 de dezembro de 1797- foi um radical, jornalista e político inglês. Wilkes nasceu em 1725, em Londres, no próspero destilador Israel Wilkes Jr. e era irmão da empresária Mary Hayley. Ele foi eleito pela primeira vez membro do Parlamento em 1757. Na disputa eleitoral Middlesex, ele lutou pelo direito de seus eleitores, em vez da Câmara dos Comuns, para determinar seus representantes. Em 1768, protestos furiosos de seus partidários foram reprimidos no Massacre de St George's Fields. Em 1771, ele foi fundamental para obrigar o governo a conceder o direito de os impressores publicarem relatos integrais dos debates parlamentares. Em 1776, ele apresentou o primeiro projeto de reforma no Parlamento britânico. Durante a Guerra da Independência Americana, ele foi um defensor dos rebeldes americanos, aumentando ainda mais sua popularidade com os americanos Whigs. Em 1780, no entanto, ele comandou as forças da milícia que favoreceram os distúrbios de Gordon, prejudicando sua popularidade com muitos radicais. Isso marcou um ponto de virada, levando a políticas conservadoras que causaram insatisfação entre os proprietários de terra de renda baixa a média, progressistas e radicais. Isso foi fundamental para a morte de seu assento parlamentar no Middlesex na eleição geral de 1790. Aos 65 anos, Wilkes se aposentou da política e participou da revolução social após a Revolução Francesa, como a Emancipação Católica na década de 1790. Durante sua vida, ele ganhou uma reputação como libertino.

John Wilkes era filho de um destilador de cerveja, em clerkenwell, ao norte de Londres. Recebeu boa educação em Oxford e Leiden, o suficiente para surpreender Johnson por seu conhecimento dos clássicos e maneiras de um cavalheiro. Com vinte anos casou-se com uma senhora com o dobro de minha idade, mas possuidora de grande fortuna. Era uma Dissidente, dada à religiosidade solene. Ele entregou-se à bebida e às amantes. Por volta de 1757, uniu-se a Sir Francis Dashwood, Bubb Dodington, George Selwyn, o poeta Churchill e o quarto conde de Sandwich num Clube Fogo do Inferno que se reunia na velha Abadia Cisterciense de Medmenhan, às margens do Tâmisa, nas proximidades de Marlowe. Lá, como os “Monges Doidos de Medmenham”, caricaturavam os rituais da Igreja Católica Romana celebrando uma Missa Negra  a Satanás, entregando-se às suas inclinações licenciosas.



O Clube do Inferno (em inglês: Hellfire Club - "Clube do Fogo do Inferno") eram vários clubes privados frequentados pela elite na Grã-Bretanha e da Irlanda no século XVIII. Foi em sua época mais ilustre presidido por Sir Francis Dashwood. Presume-se que suas reuniões constituíam-se de pródigas bebedeiras e orgias sexuais e, segundo crenças populares com menos fundamento, cultos satânicos e rituais de magia negra. Os encontros do Clube do Inferno eram realizados na Abadia de Medmenham, à margem do rio Tâmisa. 
Através da influência de seus companheiros, e com a despesa de sete mil libras, foi eleito M.P. por Aylesbury (1757). No princípio, ligou-se ao Pitt mais velho e, depois de 1760, aos inimigos de Bute. Como este subsidiava o jornal de Smollet, The Briton, Wilkes, auxiliado por Churchill, principiou, em junho de 1762, um semanário concorrente, North Briton, o qual conquistou ampla aceitação por parte dos leitores, em virtude da verve e argúcia de estilo, assim como da virulência dos ataques contra o ministério. Em um dos números, negou com certa minuciosidade – isto é, propalou – o rumor de que Bute fizera a mãe do rei sua amante. No número 45 (23 de abril de 1763) investiu contra Bute acusando-o de ter violado o acordo da Inglaterra com a Prússia, ao concluir uma paz em separado com a França e fingir, em o discurso do trono, apresentado pelo ministro no nome do rei, que o mencionado tratado tinha a sanção de Frederico o Grande.


Esta semana presenteou o público com o mais desenfreado exemplo de desfaçatez ministerial jamais imposta (...) à humanidade. O discurso do ministério de terça-feira passada não tem paralelo nos anais deste país. Fico em dúvida se a imposição é maior no soberano ou na nação. Todos aqueles que amam este país devem lamentar que um príncipe de tantas e tão amáveis qualidades (...) possa ter sio levado a sancionar com o seu nome sagrado as medidas mais odiosas e as mais injustificáveis declarações públicas (...) Tenho certeza de que todos os estrangeiros, especialmente o rei da Prússia, considerarão o ministro com desprezo e abominação. Fez ele o nosso soberano declarar: “Minhas expectativas foram correspondidas plenamente pelos felizes resultados que os vários aliados da minha coroa obtiveram no Tratado Definitivo. As potências em guerra com o meu estimável irmão, o rei da Prússia, foram induzidos a concordar com os termos de conciliação que aquele grande príncipe aprovou”. A infame falsidade de toda essa frase está clara para todo o mundo, pois sabe-se que o rei da Prússia (...) foi vilmente abandonado pelo escocês, primeiro-ministro da Inglaterra (...) Quanto à “inteira aprovação” do Parlamento, tão levianamente gabada, o mundo sabe de que modo ela foi obtida. A enorme dívida na Lista Civil (...) demonstra muito bem as transações do inverno.

Embora Wilkes tenha interpretado o discurso do rei como sendo realmente de Bute, Jorge III tomou o artigo como uma afronta pessoal, ordenando que os lordes Halifax e Egremont, então secretários de Estado, prendessem todos os implicados na publicação do N° 45 de The North Briton. Lavraram ordem geral de prisão – isto é, não nomeando as pessoas a serem apreendidas. Naqueles termos vagos, 49 pessoas foram presas, inclusive Wilkes (30 de abril de 1763), apensar de sua reivindicação de imunidade como membro do Parlamento. Williams, o tipógrafo, foi posto no pelourinho, mas a turba, aplaudindo-o como mártir, levantou a importância de duzentas libras para sua libertação. Wilkes dirigiu-se à Corte Comum de Apelação para um mandado de habeas corpus, obteve-o, expôs seu caso, e conseguiu do presidente do Tribunal de Justiça, Charles Pratt (amigo de Pitt), uma ordem de soltura sob alegação de que sua prisão violava as imunidades parlamentares. Wilkes moveu ação contra Halifax e outros por prisão ilegal e danos pessoais, obtendo cinco mil libras de indenização. A impugnação por Pratt das ordens gerais de prisão culminou num abuso quase tão odioso para os ingleses quanto as letters de cachet para os franceses.

As Lettres de cachet de 1703 (reinado de Luís XIV), introduzidas pela expressão ‘De par le roy ("Em nome do rei") eram cartas assinadas pelo rei da França, rubricadas por um de seus ministros, e fechadas com o selo real, ou cachet. Elas continham ordens diretamente do rei, muitas vezes para impor ações arbitrárias e julgamentos que não podiam ser apelados.

Tentando a sorte, Wilkes colaborou com Thomas Potter (filho do Arcebispo de Canterbury) na composição de Essay on Woman (Ensaio sobre a mulher) como uma paródia poética do Essay on Man, de Pope. Tratava-se de uma mistura de obscenidades e blasfêmia, recheada de notas eruditas, no mesmo tom, atribuídas ao Bispo William Warburton, que havia acrescentado notas ao poema de Pope. Esta pequena peça foi impressa pelas máquinas de Wilkes, em sua própria casa. Não foi publicada, porém treze foram retiradas para alguns amigos. Os ministros do rei obtiveram as laudas relativas as provas, convencendo o Conde de Sandwich a lê-las na Câmara dos Lordes. O conde assim fez (15 de novembro), para grande hilaridade dos pares, que sabiam de sua reputação de libertino. Walpole nos conta que eles “não se puderam conter” enquanto Sandwich continuava, porém concordaram ser o poema um libelo escandaloso, obsceno e ímpio, e pediram ao rei para condenar Wilkes por blasfêmia Quando Sandwich disse a Wilkes que ele morreria ou nas galés ou de doença venérea, este respondeu: Isto depende, milorde, se eu abraçar seus princípios ou suas amantes.
Naquele mesmo dia, 15 de novembro, Wilkes levantou-se na Câmara dos Comuns para dar entrada em uma queixa de quebra das imunidades em virtude da ordem de prisão, o que foi rejeitado, resolvendo o Parlamento que o carrasco queimasse publicamente o N° 45 do The North Briton. No dia 17, Samuel Martin, que havia sido injuriado naquele número do jornal, desafiou Wilkes para um duelo. Encontraram-se em Hyde Park. Wilkes ficou seriamente ferido, guardando o leito por um mês. O povo de Londres condenou Martin como um assassino contratado. Amotinaram-se quando o carrasco tentou queimar o N° 45. Wilkes e liberdade! E Número 45 tornaram-se os lemas de uma rebelião popular contra o rei e o Parlamento. Depois, um exaltado escocês tentou mata-lo e Wilkes partiu para a França (26 de dezembro). Em 19 de janeiro de 1764, foi formalmente expulso do Parlamento. Em 21 de fevereiro, foi declarado culpado, no Tribunal de King’s Bench, por ter reimpresso o N° 45 e pela impressão do Essay on Woman. Convocado a comparecer para ouvir a sentença, não obedeceu e, em 1° de novembro, foi declarado proscrito.

Por um período de dez anos, Wilkes vagueou pela França e pela Itália, receando ser preso para toda vida se voltasse à Inglaterra. Em Roma, esteve muitas vezes com Winclelmann; em Nápoles, encontrou Boswell, que achou-o uma companhia interessante. “Seus chistes vivos e fortes sobre questões morais deram ao meu espírito uma agitação nada desagradável”. No caminho de volta a Paris, Wilkes visitou Voltaire em Ferney encantando o homem mais espirituoso da Europa com a sua graça.

Com a volta dos liberais ao poder sob Rockingham e Grafton, Wilkes esperou ser perdoado. Recebeu garantia secreta que não seria molestado se permanecesse quieto. Voltou à Inglaterra (1758), anunciando, de Londres, sua candidatura para o Parlamento. Perdendo, procurou eleição por Middleses, recebendo uma substancial maioria após campanha tumultuosa. Aquela província, grandemente urbanizada (agora inclui o noroeste de Londres), era conhecida por sua tendência radical e hostilidade pelo capitalismo nascente. Em 20 de abril, Wilkes apresentou-se ao tribunal na esperança de ver anulada sua sentença de proscrição. Conseguiu. Não obstante, recebeu intimação para pagar uma multa de mil libras e ordem de prisão por 4 meses. Uma turba furiosa socorreu-o dos agentes da polícia, levando-o em triunfo pelas ruas de Londres. Escapando de seus admiradores, entregou-se à cadeia em Sr. George’s Fields. Uma multidão ali reuniu-se em 10 de maio, propondo livrá-lo novamente. Soldados atiraram nos amotinados. Cinco foram mortos, quinze ficaram feridos. 

Em 4 de fevereiro de 1769, a Câmara dos Comuns tornou a expulsá-lo. Middlesex mais uma vez elegeu-o (16 de fevereiro). Foi novamente expelido. Middlesex voltou a elegê-lo (13 de abril), dessa vez por uma votação de 1143 contra 296 de Henry Luttrell. O Parlamento deu assento a Luttrell, sob a alegação de que, tendo sido expulso do Parlamento, Wilkes desqualificara-se legalmente durante a sua vigência. Luttrell foi atacado ao sair dos Comuns, não ousando andar na rua. Dezessete condados e muitos burgos enviaram representações ao trono, queixando-se de que os direitos dos proprietários de terras de escolher seus representantes na Câmara dos Comuns haviam sido flagrantemente violados. O rei, que tinha vigorosamente apoiado as expulsões, ignorava as petições, de modo que um dos membros dos Comuns, Coronel Isaac Barré, disse no Parlamento que o descaso das petições poderia ensinar ao povo a pensar em assassinato.

John Horne Tooke, jovem padre que havia rendido sua fé ao charme de Voltaire, tirou o hábito, declarando que, depois das exclusões de Wilkes, ia tingir seu casaco preto (eclesiástico) de vermelho. Tooke chefiou a organização da Sociedade dos Defensores da Carta dos Direitos (1769), cuja finalidade imediata era libertar Wilkes da prisão, pagar suas dívidas e restabelecê-lo no Parlamento. Nas reuniões reclamavam a dissolução do atual Parlamento como irreparavelmente corrupto e igualmente insensível à vontade geral. Reivindicavam parlamentos anuais, eleitos pelo sufrágio universal de elementos adultos do sexo masculino, e a responsabilidade dos ministérios em relação ao Parlamento em suas politicas e despesas. Qualquer Candidato ao Parlamento deveria prestar juramento de não aceitar suborno de forma alguma, tampouco qualquer posto ou pensão, ou quaisquer emolumentos da Coroa; que todos os membros deviam defender os pontos de vista de seus constituintes mesmo quando contrários aos seus. Os ressentimentos da Irlanda deveriam ser desagravados e as colônias americanas teriam, por elas mesmas, o direito de tributar seu povo.


Em Julho de 1769, William Beckford, na qualidade de prefeito de Londres, e as fardas ou funcionários uniformizados da cidade, encaminharam ao rei uma comunicação censurando a conduta de seus ministros, que subvertiam a constituição, de conformidade com a qual o trono da Inglaterra havia sido dado à casa de Hanôver. Em 14 de março de 1770, remeteram ao rei o protesto que empregava a linguagem da revolução: Sob influência maligna e secreta que, através de sucessivas administrações, derrotou todas as boas intenções, sugerindo todas as más, a maioria da Câmara dos Comuns privou o vosso povo dos seus mais caros direitos. Agiram de maneira mais ruinosa em suas consequências do que o lançamento de impostos por Carlos I para a construção de navios, ou o poder de pensionar assumido por Jaime II. Apelavam para o rei no sentido de restabelecer o governo constitucional (...) retirar para sempre os maus ministros de vossos conselhos e dissolver o atual Parlamento. O enfurecido monarca, com a mão na espada, exclamou: Mais depressa eu recorrerei a isto do que ceder à dissolução. Em 1770, Londres, ao invés de Paris, parecia estar perto de uma revolução.


Naquele turbilhão escaldante da política, “Júnio” escreveu as cartas mais incendiárias da história da Inglaterra. Guardou sua identidade tão secreta, mesmo de seus editores. Que até nossos dias ninguém sabe quem ele era, embora muitos imaginem tratar-se de Sir Philip Francis, a quem encontraremos como o implacável inimigo de Warren Hastings.
Junius foi o pseudônimo de um escritor que contribuiu com uma série de cartas para o Public Advertiser, de 21 de janeiro de 1769 à 21 de janeiro de 1772. A assinatura já havia sido usada, aparentemente por ele, numa carta de 21 de novembro de 1768. Estas e numerosas outras cartas pessoais não foram incluídas em sua coletânea Letters of Junius, publicada em 1772.

As Letters of Junius possuem um objetivo definido:

Informar o público sobre seus direitos e liberdades históricos e constitucionais, enquanto ingleses; destacar onde e como o governo infringiu estes direitos. Seu principal alvo foi o ministério de Augustus Henry FitzRoy, 3.º Duque de Grafton, um fellow Whig que Junius encarava como particularmente corrupto. A administração Grafton foi constituída em outubro de 1768, quando William Pitt, o Velho, foi compelido a retirar-se do governo por problemas de saúde, e foi uma reconstituição do gabinete de julho de 1766. Junius lutou pelo retorno de Chatham ao poder, o qual havia se restabelecido e não estava em boas relações com seus sucessores.

A correspondência privada de Junius foi preservada, escrita em sua habitual caligrafia disfarçada. Ele correspondia-se com Chatham, George Grenville, Wilkes (todos oponentes do Duque de Grafton), e também com Henry Sampson Woodfall, impressor e sócio do Public Advertiser.

As cartas são de interesse por três motivos:

1. seu significado político;
2.  estilo; e
2. o mistério que há muito cerca sua autoria.
A matéria das cartas é considerada injuriosa por alguns, embora uma análise mais acurada de seus escritos revele um homem de princípios séculos à frente do seu tempo, expondo a corrupção mais desavergonhada pelo único meio disponível (anonimato) num país ainda em luta com a ideia de liberdade de expressão.

O autor já havia assinado em algumas cartas “Lúcio”, em outras “Bruto”. Passou então a adotar o nome daquele Lúcio Júnior Bruto, que, segundo Livy, havia deposto um rei (510 a.C.) e fundado a República Romana. O domínio total do inglês nessas cartas indicava que “Júnio” possuía educação, se não as maneiras, de um cavalheiro. Era, provavelmente, um homem de posses, pois não recebia dinheiro com as tais cartas, cuja força e mordacidade aumentavam, com lucro, a circulação do The Public Advertiser, no qual elas apareceram de 21 de novembro de 1768 a 21 de janeiro de 1771.


Em uma dedicatória à Nação Inglesa, que ele colocou como prefixo à coleção completa de Cartas de Júnio (1772), o autor declarava ser a sua finalidade “estabelecer a liberdade nas eleições, e advogar o pleno direito de escolher seus representantes. Como ponto de partida, tomou a exclusão de Wilkes e a prisão, por uma ordem geral, de todos aqueles relacionados com o n° 45 do The North Briton. “A liberdade de imprensa é o apanágio de todos os direitos civis, políticos e religiosos do inglês, e o direito jurídico (...) parte essencial de nossa constituição”. Partindo dessas declarações, o autor passou a recapitular as bases do governo da Grã-Bretanha. “O poder dos reis, lordes e Comuns não é arbitrário. Eles são os depositários, e não os donos do Estado. O domínio pleno está em NÓS. 

"Tenho certeza de que vocês não vão deixar que setecentas pessoas notoriamente corrompidas pela Coroa decidam se sete milhões de seus semelhantes vão ser livres ou escravos”.

Júnio continuou acusando a administração de Grafon (1768-70) de vender postos e de corromper o Parlamento com favores e subornos. Neste ponto o ataque tornou-se direto, chegando ao extremo de sugerir a decisão de vingança por afronta pessoal ou injustiça.

Adiantai-vos, ó virtuoso ministro, e dizei ao mundo no interesse de quem Mr. Hine foi recomendado de maneira tão extraordinária ao beneplácito de Sua Majestade. Qual foi o preço da patente que ele comprou? (...) Pensais que tais enormidades ficarão impunes? Na verdade, tendes interesse em manter a atual Câmara dos Comuns. "Tendo vendido a nação por atacado, certamente eles vos protegerão em detalhe, pois enquanto favorecem vossos crimes, receiam por aqueles que cometeram."

Os ataques continuaram muito depois da exoneração de Grafton, como na carta de 22 de Junho de 1771:

"Não posso, com qualquer aparência de decoro, chamar-vos o mais mesquinho e o mais baixo personagem do reino. Eu protesto, meu senhor, não vos julgo assim. Tereis um perigoso rival nesta espécie de fama (...) enquanto houver um homem vivo que vos julga digno de sua confiança e capaz de ser acreditado."

Isso parecia designar o próprio Jorge III como “a pessoa mais baixa do Reino”. Já na carta XXXV, Júnio propusera-se atacar o rei “com dignidade e firmeza, mas não com respeito”: “Senhor, a infelicidade de nossa vida (...) é que jamais tenhais tido conhecimento da linguagem da verdade até que a ouvistes nas queixas de vosso povo. Entretanto, não é muito tarde para corrigires o erro de vossa educação”. Júnio aconselhava Jorge a demitir seus ministros tories e permitir a Wilkes manter o lugar para o qual fora eleito. “Enquanto o príncipe orgulha-se da segurança do seu direito à coroa, ele deveria lembrar-se de que, tendo esta sido obtida por uma revolução, por uma outra ele pode perde-la”.

Henry Woodfall, que publicou esta carta no Public Advertiser, foi preso sob acusação de libelo sediciosos. Refletindo os sentimentos da classe média, o júri recusou-se a condená-lo, e ele foi solto mediante pagamento de custas. Entretanto, o rei manteve seu ponto de vista, fortalecendo sua posição ao colocar o obsequioso e imutável Lorde North como primeiro ministro. Júnio continuou suas cartas até 1772, e depois abandonou o campo. Devemos notar que em 1772 Sir Philip Francis deixou o Ministério da Guerra (de cujos negócios Júnio demonstrava estar intimamente familiarizado) e partiu para a Índia.

Estas cartas pertencem tanto à história literária quanto à história política da Inglaterra, pois constituem um exemplo vivo do estilo pelo qual muitos estadistas ingleses podiam elevar-se ou rebaixar-se quando exaltados pelas paixões e protegidos pelo anonimato. Eis aqui um inglês de bom quilate misturado com injúria, mas esta mesma injúria é sempre uma obra prima de golpe sútil ou agudo epigrama. Não há aqui nenhuma misericórdia, nem generosidade, tampouco a ideia de que o próprio partido de quem acusa era coparticipante do crime do acusado. Solidarizamo-nos com Sir William Draper, que, em resposta à carta de Júnio, de 21 de janeiro de 1769, escreveu: 
"O reino vê-se no meio de um enxame de ladrões traiçoeiros, de caráter e virtudes particulares de que nenhum homem honesto está salvo, principalmente porque esses assassinos baixos e covardes apunhalam no escuro, sem coragem para assinar seus próprios nomes nas suas produções malévolas e malvadas."

A passagem da imprensa britânica para uma crescente liberdade e influência foi marcada por um outro conflito nesses anos. Por volta de 1768, alguns jornais principiaram a imprimir notícias dos discursos mais importantes proferidos no Parlamento. A maior parte deles era partidária e inexata, alguns eram imaginários, outros insultuosos. Em fevereiro de 1771, o Coronel George Onslow queixou-se na Câmara dos Comuns que um jornal havia a ele se referido como “o pequeno patife”, e “aquele inseto reles e insignificante”. Em 12 de março, a Câmara deu ordem para a prisão dos editores, que resistiram e prenderam seus supostos captores, levando-os perante dois regedores (um dos quais era Wilkes), e o Prefeito Brass Crosby. Este tornou sem efeito a tentativa de apreensão dos editores, alegando que a legislação da cidade proibia a prisão de um habitante de Londres, exceto mediante ordem emitida pelo juiz local. O prefeito recebeu o mandado de prisão, na Torre, por ordem do Parlamento, porém o povo levantou-se em seu favor, atacou a carruagem dos M.P., ameaçou os ministros, vaiou o rei e invadiu a Câmara dos Comuns. O prefeito foi solto e aclamado pela multidão. Os jornais recomeçaram suas notícias sobre os debates parlamentares, e o Parlamento cessou de perseguir os editores. Em 1774, Luke Hansard, com a autorização do Parlamento, principiou a publicar, com rapidez e exatidão, os Anais da Câmara dos Comuns, continuando-os até a sua morte em 1828.

Essa histórica vitória da imprensa inglesa influiu no caráter dos debates parlamentares, contribuindo para fazer da segunda metade do século XVIII a idade de outro da eloquência inglesa. Os oradores tornaram-se mais cautelosos, talvez mais dramáticos, quando sentiam estar sendo ouvidos por todas as Ilhas Britânicas. Um certo progresso em direção à democracia era inevitável então, quando a informação política e a inteligência eram mais amplamente difundidas. A classe dos negócios, a comunidade intelectual e os radicais em ascensão encontraram na imprensa uma voz que se tornou cada vez mais audaciosa e eficaz, até que reprimiu a própria monarquia. Os eleitores podiam finalmente saber se os seus representantes haviam defendido bem a eles e a seus interesses na elaboração e rejeição das leis. A corrupção, embora continuasse, havia diminuído, pois podia ser mais claramente exposta. De modo que a imprensa tornou-se uma terceira força que às vezes podia manter o equilíbrio entre classes nacionais ou partidos nos Parlamento. Os homens com poderes para comprar ou controlar os jornais tornaram-se tão poderosos quanto os ministros.

Como todas as liberdades, esta, que era nova, foi mal-empregada. Tornou-se por vezes o instrumento de fins mais egoístas e partidários, de oposições mais grosseiras e violentas do que quaisquer apresentados no Parlamento. Então, mereceu o nome que lhe deu Chatham – “Libertinagem constitucional”. Por sua vez, tinha de ser constitucionalizada por uma quarta voz, a opinião pública, da qual, contudo, a imprensa era em parte a fonte, muitas vezes corruptora, sendo algumas vezes a voz. Equipados com maiores conhecimentos, homens e mulheres sem títulos de nobreza principiaram a falar de política e métodos de governos. Encontravam-se em reuniões públicas, e seus debates ocasionalmente rivalizavam-se com os do Parlamento na sua influência sobre a história. Então, o dinheiro, tanto quanto o nascimento, podia reivindicar o direito de governar, e por vezes, entre os argumentadores, o povo podia fazer-se ouvir.

Wilkes foi solto da prisão em 17 de abril de 1770. Muitas casas iluminaram-se como para uma festa, e o prefeito exibiu diante de sua residência oficial (Mansion House) um letreiro com a palavra LIBERDADE em letras de um metro de altura. Logo Wilkes foi eleito vereador, depois prefeito. Em 1774, foi novamente para o Parlamento, eleito por Middlesex. Então, os Comuns não ousaram mais recusar-lhe o lugar, o qual ele conservou através de todas as eleições até 1790. Conduziu um pequeno grupo de radicais ao Parlamento, os quais salientaram a urgência de reformas parlamentares e libertação das classes inferiores.

"Desejo que toda pessoa livre neste império seja representada no Parlamento. Os burgos médios e insignificantes, tão enfaticamente rotulados partes decadentes de nossa organização, deviam ser eliminados e as cidades comerciais, ricas e populosas – Birmingham, Manchester, Sheffield, Leeds e outras deviam ter permissão para enviar deputados ao grande conselho da nação. (...) Desejo, senhor, que o Parlamento inglês fale o livre e desapaixonado senso comum da totalidade do povo inglês."

O Parlamento levou 55 anos para aceitar essas reformas.
Wilkes recusou candidatar-se para uma reeleição em 1790, retirando-se à vida privada. Morreu em 1797, com setenta anos, tão pobre quanto quando nasceu, porque fora escrupulosamente honesto em todos os cargos que ocupou. 
Will & Ariel Durant, História da Civilização, Vol. 10, A Era de Rousseau

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