De que raça descendem os Ingleses?
João Paulo Freire (Mário)
A Grâ-Bretanha foi sempre, através de sua já longa existência, um país acentuadamente comercialista. A seu respeito escreveu Lapenberg: “Inglaterra deve as primeiras notícias que se tiveram de sua existência ao comércio internacional, graças ao qual este país havia de chegar a ser tão importante”.
Os ingleses, que já alguns séculos antes de Cristo comerciavam com os povos do Mediterrâneo, quando os romanos tomaram contato com eles, eram povos mais ou menos civilizados. Já tinham a sua cultura. Pastores, caçadores, agricultores e gente do mar.
Sobre a sua ascendência, escrevi eu, não há muito, no meu opúsculo: Por que triunfa a Inglaterra (Lisboa, 1941).
De que raça, descendem os ingleses?
Eram dolicocéfalos os primitivos habitantes da Bretanha, mas passada a idade paleolítica, e, mais na idade do bronze do que na neolítica, povos braquicéfalos idos do Oriente, misturaram-se aos autóctones, e aí por 600 anos a. C., nórdicos, certamente celtas, invadiram a Grâ-Bretanha e desta nova mistura resultou o povo histórico dos Pictes.
Os pictos eram antigos habitantes da Escócia que estabeleceram o seu próprio reino e lutaram contra os romanos na Britânia. Fontes romanas afirmam que os pictos teriam um poderoso reino com centro em Strathmore.
Os países nórdicos constituem uma região da Europa setentrional e do Atlântico Norte, composta pela Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia, e as regiões autónomas das Ilhas Faroé, arquipélago da Åland e Groenlândia.
O termo "Escandinávia"é por vezes utilizado como sinônimo para os países nórdicos, embora dentro desses países os termos sejam considerados distintos. Os países escandinavos são a Noruega, a Suécia e a Dinamarca. Os países nórdicos são os países escandinavos e a Finlândia e a Islândia.
Outras invasões se lhes seguiram: os romanos, 55 a.C., embora ao princípio sem grande influência, quer nos costumes quer na língua, mas dando-lhes mais tarde um progresso visivelmente sensível e animador. Londres tornou-se, sob a dominação romana, uma cidade já notavelmente importante e feroz, assim os ingleses, com o Velho Testamento por sua Lei, os Psalmos e a História Sagrada como seu fundamento espiritual, se lançaram no meditado anseio de Povo Eleito, arvorando com igual violência e não menos ferocidade a bandeira do Protestantismo, com a mesma ausência de escrúpulos servidos por uma grande tenacidade, uma atividade inexcedível, um self-control admirável sob a ríspida orientação de Cromwell que queria já então que o seu povo exercesse, como povo eleito que era, a supremacia do Mundo.
Neste paralelo entre o povo peninsular e o povo inglês há apenas uma pequenina diferença... tão grande como o infinito:
O peninsular é um povo mais teórico do que prático, o inglês mais prático do que teórico.
Na presença duma questão qualquer, o peninsular discute tudo mas aceita tudo; o inglês ouve tudo, medita ponderadamente tudo, mas só se submete perante provas práticas de maneira a ter certeza iniludível das possibilidades da sua aplicação e utilização. Custa muito ao inglês tomar uma decisão. O peninsular toma decisões numa hora. O inglês vê primeiro se uma fórmula aparentemente clara o é de fato, ou sendo apenas aparentemente clara não cria na realidade uma situação obscura, barrando o caminho a uma decisão verdadeiramente necessária e útil.
Daí o inglês, homem de impulsos naturais, atendendo permanentemente aos seus interesses, partidário ferrenho da ideia coletiva e da cooperação, ser considerado pelos outros povos como um inimigo fidagal das teorias. Para um inglês, sempre gentleman, há acima de tudo a teoria do fair-play e do self-control. A isto poderá chamar-se, como quer o vice-presidente do Instituto Rabindhranath Togore à Santiniketan, um complexo de superioridade, mas este complexo tem virtudes excepcionais que fazem com que o inglês, quando toma uma decisão, a mantenha inalteravelmente até o fim. Íamos a escrever; fanaticamente até o fim, e por isso mesmo, enquanto o peninsular força as regras com a ação, o inglês, homem de ação amigo do fair-play, tipo clássico de desportista perfeitamente adaptado á regras do jogo, exige que o fair-play e a ação se conjuguem, sempre sujeitando-se, com um estoicismo admirável, à fiscalização da sua vontade.
Submete, nas maiores e nas mais pequenas situações, o seu coração e a sua razão à realidade e à experiência. Está sempre na expectativa, mesmo no mais aceso da luta, regulando a sua ação pela ação do seu inimigo ou do seu adversário.
Pode afirmar-se que a Inglaterra não é nem uma aristocracia, nem uma oligarquia, nem uma democracia, nem uma monarquia. É uma construção hierárquica onde, por um grande respeito de verdadeiro gentleman à liberdade individual, todos se podem elevar e atingir os maiores postos, qualquer que seja a obscuridade da sua origem. O inglês tem o máximo respeito pela Lei e pela Ordem, porque entende que nelas reside a verdadeira liberdade.
Podemos chegar assim, com Wildhagen, através de Joannes Stoye, que estamos fielmente seguindo, às seguintes conclusões:
1. Que o inglês é bastante viril, ativo, impulsivo, combativo, brutal, apaixonado pela liberdade, egoísta, enérgico, orgulhoso;
2. Que tem necessidade de se sentir unido por estreitos laços ao seu semelhante; que cria agrupamentos, combinações, pactos, como político que é com absoluto sentido nacional;
3. Que é cheio de respeito pela natureza e pelas suas leis, por tudo quanto se desenvolve organicamente, por tudo o que é real, pela tradição em todos os domínios da vida.
4. Que é intelectualmente orientado através da natureza exterior, e através do mundo das coisas reais; que é um ser prático, e, por consequência, rebelde às congeminações abstratas.
5. Que é sensível às lições da experiência, obediente aos compromissos, sempre disposto às concessões, prático e utilitário.
Estas são as características do caráter inglês segundo Wildhagen, que salienta ainda estes três traços principais deste mesmo caráter:
I. No inglês, as faculdades primordiais são as faculdades superiores, as faculdades da alma que provém da nossa natureza física, as faculdades que, considerando o homem em geral, são comuns a todo o ser animal: os instintos e os elementos volitivos que forçam o espírito a marchar na sua esteira e a servir os seus desejos.;
II. Em toda a população inglesa sente-se um desejo superior de agrupamento, de coesão; há nela a necessidade de viver em coletividade e de consolidar as ligações e os bens da Comunidade.
III. Tudo se encontra em estreita ligação com a Natureza; o espírito é orientado através do conhecimento da Natureza, e o inglês ignora tudo o que não se sujeita ao domínio da experiência.
Tal é o povo inglês, forte, conscientemente decidido, resoluto sem precipitações, enérgico sem grosserias, amante da sua terra como nenhum outro, estimando e querendo à liberdade acima de tudo e por ela se batendo sem desfalecimentos nem temores.
A seu respeito, escreveu um dia Emílio Castelar:” Em parte alguma da Europa o indivíduo é mais livre, o seu lar mais seguro, a sua consciência mais respeitada, a sua palavra e a sua ideia mais independentes, do que nessa Grã-Bretanha, eterna causa da nossa admiração; mas em nenhuma parte os costumes são mais tirânicos.”
E noutro ponto, acrescenta: “Em França há mais igualdade do que na Inglaterra. Na Inglaterra há mais liberdade que em França. Eu opto pela Inglaterra. Ali, sem ser cidadão inglês, estou em minha casa, sob o amparo das leis inglesas, que se cumprem rigorosamente como as leis da Natureza. Em França estou à mercê do comissário do bairro, e ignoro se o sujeito que me abre a porta da casa, é da polícia secreta. Não conheço um monstro mais terrível que um governo arbitrário. Um tigre pode rasgar-me as carnes: o despotismo destrói a consciência”.