sábado, 2 de dezembro de 2023

Chesterton, Gusdorf e a Revolução Francesa.

O contraste entre as opiniões  de um  escritor católico romano e de um protestante reformado sobre a Revolução em França de 1789.

No fim do século XVIII, duas revoltas vitoriosas – A Guerra de Independência dos EUA e a Revolução Francesa – mudaram a face do mundo. A primeira fundou um país fortemente marcado pela cultura protestante, num grande território em que não era necessário fazer um ajuste de contas com um passado feudal onde floresceu a maior democracia do Ocidente; a segunda pôs fim a uma das mais importantes monarquias da Europa instituindo em seu lugar a França contemporânea, a mesma de maio de 68. 

G.K. Chesterton 

O grande ensaísta inglês discorre no capítulo em referência de Ortodoxia sobre o pensamento moderno: “Se este ponto ainda não está bem esclarecido, um exemplo histórico pode ilustrá-lo. A Revolução Francesa foi, realmente um ato heroico e decisivo, porque os Jacobinos desejavam alguma coisa definida e limitada. Desejavam as liberdades da democracia, mas, também, os vetos dessa democracia. Desejavam ter os votos e não ter os títulos. A república tinha um lado ascético em Franklin ou Robespieere, e um lado expansivo em Danton e Wilkes. Assim criaram alguma coisa com forma e substância sólidas, uma igualdade social niveladora e a riqueza campestre da França. Mas desde então o pensamento revolucionário ou especulativo da Europa tem sido enfraquecido pelo retraimento de qualquer proposta devido aos limites dessa mesma proposta. O liberalismo degenerou em liberalidade. Os homens tentaram converter o verbo transitivo ‘revolucionar’ em verbo intransitivo. O jacobino poderia dizer-nos não só qual era o sistema contra o qual se revoltava, mas também (o que é mais importante) o sistema em que confiava.” Ortodoxia, Ecclesiae, p. 68 

Georges Gusdorf 

As reflexões do pensador reformado aqui também destoam muito do católico romano: “Diferença fundamental, a liberdade americana foi conquistada de um adversário externo, à custa de uma guerra estrangeira, mesmo que existisse no país uma minoria de partidários do estrangeiro, os tories lealistas. Ao contrário, a liberdade francesa teve de ser adquirida num conflito da França com ela própria; a guerra civil precedeu a guerra estrangeira, muito mais terrível na exasperação dos fanatismos opostos. Mais do que isso, em cada consciência se travava uma guerra civil individual, dilacerada entre aspirações contraditórias; entre o fascínio e o pavor, a revolução mobilizava as paixões; ela libertou o instinto de morte inscrito nas profundezas de cada personalidade. Na exasperação do Grande Terror, os revolucionários tornaram-se possessos, divididos entre as obsessões contraditórias do massacre, do sacrifício e do suicídio. Da Revolução Americana nasce uma grande nação fortemente marcada pela cultura protestante, à revolução Francesa, seguiram-se o Terror e sucessivos golpes de Estado…” Georges Gusdorf  – As Revoluções da França e da América – a Violência e a Sabedoria – Editora Nova Fronteira. Pg 49. 

E aqui um bônus de Edmund Burke filho de pai protestante e de mãe católica e que aderiu à fé de seu pai permanecendo um anglicano praticante ao longo de sua vida: 

“Faz agora dezesseis ou dezessete anos desde que vi a Rainha da França, naquela época a Delfina, em Versalhes, e certamente jamais pisou neste globo (olhos), que ela apenas parecia tocar, uma visão mais deliciosa. Vi-a bem acima do horizonte, decorando e alegrando a esfera celeste em que principiou a mover-se – cintilante como a estrela da manhã, cheia de vida, esplendor e alegria. Oh, que revolução! E que coração devo eu ter para contemplar, sem emoção, essa elevação e essa queda! (coação exercida pela turba sobre Luís XVI e Maria Antonieta em Versalhes, fazendo-os voltar a Paris para serem confinados nas Tulherias, sob a vigilância popular, 5 de outubro de 1789). Mal podia eu sonhar, quando, ao lhe tributar títulos de veneração acrescidos aos de um amor entusiasta, distante e respeitador, que ela um dia fosse obrigada a levar escondido em seu seio aquele forte antídoto contra a desgraça. Mal podia eu sonhar que viveria para ver esses desastres recaírem sobre ela em uma nação de homens valorosos, em uma nação de homens honrados e cavalheiros. Pensei que mil espadas seriam logo tiradas de suas bainhas para vingar um olhar sequer que a ameaçasse insultuosamente. Mas a era do cavalheirismo foi-se. Sucedeu-a a dos sofistas, economistas e calculadores, e a glória da Europa extinguiu-se para sempre.”

Will Durand - História da Civilização Vol. 10, Rousseal e a Revolução p. 732.


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