quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O Conservadorismo Anglo-Saxão 10 - Inglaterra e Índia

 Will & Ariel Durant, História da Civilização

    A Companhia Britânica das Índias Orientais havia sido reorganizada em 1709 como United Company of Merchants of England trading to the Indies” (Companhia Unida de Comerciantes da Inglaterra negociando com as Índias).  A carta-régia do governo britânico autorizava-a ao monopólio do comércio inglês com a Índia. Era administrada por um presidente e 24 diretores eleitos anualmente por uma Diretoria de Proprietários, na qual todos os acionistas com quinhentos ou mais libras em ações tinham direito a voto. Na Índia, a companhia tornou-se uma organização tanto comercial como militar, combatendo os holandeses, franceses e os exércitos nativos por pedaços do império mogol, que se desmoronava. Foi em uma dessas guerras que Siraj-ud-daula, o nababo (vice-rei) de Bengala, conquistou Calcutá da Companhia, prendendo 146 europeus no “Buraco Escuro de Calcutá” – um pavimento de 6 x 4m, com apenas duas pequenas janelas. Durante a noite, morreram 123 prisioneiros (20-21 de junho de 1576) de calor ou asfixia. 

Roberte Clive, governador do Forte São Davi, dirigiu um pequeno contingente a fim de recapturar Calcutá para a companhia. Aderiu ao conluio de Mir Jafar, um nobre da corte de Siraj-ud-daula, para derrubar o vice-rei. Com novecentos europeus e 2300 soldados nativos, derrotou cinquenta mil homens em Plassey (23 de junho de 1757); Siraj-ud-daula foi condenado à morte, e Mir Jafar tomou o seu lugar na qualidade de nababo de Bengala. Clive entrou na capital, Murschidadab, como um conquistador. Parecia-lhe semelhante a Londres em tamanho e talvez superior em riqueza. No tesouro do nababo viu incrível quantidade de rupias, joias, ouro, prata e outras riquezas. Solicitado a dizer qual seria sua recompensa por ter colocado Mir Jafar no trono, pediu 160 mil libras para ele, quinhentos mil para seu exército e marinha, 24 mil para cada um dos membros do conselho administrativo da companhia, e um milhão de libras de indenização pelos danos sofridos pela propriedade da companhia em Calcutá. Foi a essa ocasião que Clive se referiu quando contou na Câmara dos Comuns ter-se admirado da sua própria moderação. Recebeu um total de duzentas mil libras como presente de Mir Jafar, sendo reconhecido como governador britânico em Bengala. Por ter pago um aluguel anual de 27 mil libas a Mir Jafar, a Comanhia foi reconhecida como proprietário supremo de 1300 quilômetros ao redor de Calcutá. Em 1759, em retribuição ao auxílio prestado na supressão de um levante, Mir Jafar concordou em remeter anualmente a Clive o aluguel pago pela Companhia.

    Livre de qualquer competição, a Companhia explorou com muito pouca clemência os nativos sujeitos a seus regulamentos. Armada superiormente, fez os dirigentes hidus pagarem caro pela proteção britânica. Longe da supervisão do governo inglês, e imunes aos Dez Mandamentos, a leste de Suez seus funcionários graduados obtiveram vultosos lucros no comércio, voltando à Inglaterra como ricaços capazes de comprar, sem graves danos para o seu capital, burgos eleitorais ou um membro do Parlamento

    Clive voltou para a Inglaterra em 1760, com 35 anos, esperando gozar fama e dinheiro. Comprou burgos suficientes para controlar um partido nos Comuns, sendo ele mesmo eleito por Shrewsbury. Alguns diretores da Companhia das Índias Orientais, achando que ele havia roubado além de seus anos, atacaram-no por ter usado documentos falsificados nas transações com Siraj-ud-daula e Mir Jafar, mas quando ouviram dizer em Londres que revoltas dos nativos, venalidade oficial e incompetência administrativa estavam pondo em perigo a posição da Companhia na Índia, mandaram Clive correndo de volta a Calcutá (1765) na qualidade de governador de Bengala. Uma vez lá, tentou cortar pela raiz a corrupção entre seus auxiliares, motim entre as tropas e repetidos levantes dos dirigentes nativos contra a Companhia. Em 12 de agosto de 1765, convenceu o indefeso Mogol Shah Alam a dar a Companhia amplo controle financeiro das províncias de Bengala, Behar e Orissa, como uma população de trinta milhões de almas e uma renda anual de quatro milhões de libras. Isto, e a vitória de Clide em Plassey, criaram o império Britânico da Índia. 

    Com a saúde destruída por dois anos de luta, Clive voltou à Inglaterra em 1767. Renovaram-se ataques contra ele pelos diretores da Companhia, os quais foram reforçados pelos funcionários cujas extorsões ele havia obstado. Notícias de uma grande fome na Índia, assim como ataques de nativos contra as fortificações da Companhia, contribuíram para causar um pânico em que ingleses ilustres sofreram grandes perdas. Em 1772, duas comissões parlamentares investigaram os negócios na Índia, revelando tais extorsões e crueldades que Horace Walpole exclamou: Ultrapassamos os espanhóis no Peru! Matamos, destituímos, saqueamos, usurpamos. EUA mais ainda: o que pensam da fome em Bengala, em que três milhões morreram, fome essa causada por um monopólio de provisões pelos empregados da Companhia das Índias Orientais? Em 1773, uma das comissões de inquérito convocou Clive a prestar contas perante à Câmara dos Comuns dos seus métodos e ganhos na Índia. Clive admitiu quase todos os fatos, defendeu-os como permitidos em vista dos costumes locais e necessidades da situação, acrescentando que, quando os membros viessem julgar sua honra, não se esquecessem das suas próprias. A Câmara votou por 155 contra 95 que ele havia recebido 234 mil libras durante sua primeira administração de Bengala, mas que, ao mesmo tempo ele havia prestado grandes e louváveis serviços a este país. Um anos depois, com 49 anos, Clive matou-se (22 de novembro de 1774).

Em 1773, Lorde North fez passar uma lei reguladora que previa o adiantamento de um empréstimo de 1 400 000 libras à Companhia, a fim de salvá-la (assim como seus acionistas parlamentares) da bancarrota, tornando todo o território administrado pela Companhia na Índia sob a presidência de Bengala, que por sua vez ficaria sob a responsabilidade do governo britânico. Warren Hastings foi nomeado governador de Bengala.

Ele galgou tal posição vindo de origem modesta. Sua mãe morreu ao dar à luz, e o pai partiu para as Índias Ocidentais à procura de aventura, lá morrendo. Foi mandado por um tio para Westminster Scholl, mas em 1749 esse tio morreu e Warren, com dezessete anos, embarcou para a Índia, em busca de boa sorte. Alistou-se como voluntário sob o comando de Clive, participou da recaptura da Calcutá, demonstrou diligência e eficiência administrativas, sendo designado para o conselho administrativo dos negócios da companhia em Bengala. Em 1764, voltou à Inglaterra. Quatro anos depois, os diretores persuadiram-no a entrar para o Conselho de Madrasta. No caminho, encontrou-se com o Barão Imhof e sua mulher, que se tornou amante de Hastings e ais tarde sua esposa. Saiu-se bem em Madrasta, e em 1774, principiou uma turbulenta administração como governador de Bengala.

    Trabalhava com afinco, contudo seus métodos eram ditatoriais, e algumas de suas medidas forneceram material para os ataques que recebeu de Sir Philip Francis, no Conselho de Bengala, a mais tarde de Burke, no Parlamento. Quando as tribos maratha restabeleceram o Xá Alam no trono mogol, em Delhi, e ganharam dele aqueles distritos de Kora e Allahabad que Clive lhe avia atribuído, Hastings os vendeu ao nababo de Oudth por cinquenta lacas de rupias, designando tropas da Companhia para auxiliar os nababos a recuperarem a região. Permitiu que os nababos se valessem das tropas da Companhia para a invasão e a tomada do território de Rohilkhand, cujo chefe (segundos os nababos) lhes devia dinheiro. A Companhia recebeu grandes somas por esses soldados. A ação de Hastings violava nitidamente as ordens que recebera dos diretores. Contudo, esses diretores avaliavam o valor de um governador pelo dinheiro que ele mandava para a Inglaterra.

    Um funcionário indiano, Nuncomar, acuso Hastings de aceitar suborno. Francis e outros conselheiros deram crédito à acusação, alegando não existir nenhuma espécie de peculato que o ilustre governador julgasse razoável abster-se. Nuncomar foi preso sob a acusação de calúnia, sendo condenado à morte (1775). Suspeitou-se que Hastings houvesse influenciado o juiz do tribunal, Sir Elijah Impey (anteriormente seu colega em Winchester) a decretar uma pena excepcionalmente severa. Em 1780 Hastings promoveu Impey a um outro cargo com vencimentos de 6500 libras anuais. Desentendimentos mútuos entre Hastings e Francis terminaram em duelo no qual este último saiu seriamente ferido.

    O marajá de Mysore, Haidar Ali, achou que as desavenças entre Hastings e seu conselho ofereciam uma oportunidade para expulsar a Companhia da Índia. Apoiado pelos franceses, atacou as fortificações da Companhia, obtendo algumas alarmantes vitórias (1780). Hastings mandou torpas e dinheiro de Bengala para enfrenta-lo. Haidar Ali morreu (1782), mas seu filho, Tipu Sahib, continuou a guerra até sua derrota final em 1792. Talvez fosse para financiar essas campanhas que Hastings recorreu aos esquemas de levantar dinheiro que levaram ao seu impedimento. 

    Exigiu de Chait Singh, rajá de Benares, um subsídio adicional à renda que esse distrito pagava anualmente à companhia. O rajá alegou não ter disponibilidades para anuir. Hastings conduziu um pequeno contingente para Benares (1781), depôs Chait Singh e extorquiu o dobro da renda do sucessor de Chait – O nababo de Oudh, negligente em seus pagamentos à Companhia, explicou que podia fazê-lo se ela o auxiliasse a obrigar sua mãe e sua avó, as begumes (princesas) de Oudh, a liberar-lhe uma parte dos dois milhões de libras que lhes foram deixadas pelo pais do nababo. Sua mãe já lhe havia concedido uma vultuosa soma mediante a promessa de que não pediria mais. A Companhia sob o protesto de Hastings, fez idêntica promessa. Hastings aconselhou o nababo a ignorar a promessa. Enviou tropas da companhia a Fyzabad. Por meio de tortura e quase inanição, forçaram os eunucos, criados das princesas, a entregar os tesouros (1781), com os quais o nababo pagou suas dívidas à Companhia.

    Nesse meio tempo, Sir Philip Francis, tendo-se recuperado de seus ferimentos, voltou à Inglaterra (1781) e expôs aos diretores e a seus amigos do Parlamento o que ele considerava os crimes de Hastings. Em 1782, a Câmara dos Comuns censurou Hastings e outros funcionários da Companhia de terem, em vários exemplos, agido de forma repugnante à honra e à política da nação, ordenando aos diretores para fazê-los voltar. Os diretores fizeram expedir tal ordem, porém a Assembleia dos Proprietários revogou-a, provavelmente porque a revolta de Mysore continuava. 

    Em novembro de 1783, Charles James Fox, na qualidade de secretário dos negócios exteriores no ministério de coalizão, apresentou ao Parlamento um Projeto de Reforma da Índia que colocaria a Companhia das Índias Orientais sob o controle de delegados nomeados pelo ministério. Os críticos queixaram-se que esse projeto de lei iria dar aos whigs Fox-Burke um manancial de proteção. O referido projeto passou nos Comuns, mas o rei mandou dizer aos lordes que consideraria uma afronta pessoal a votação de tal medida, fosse lá por quem fosse. Votaram contra, 95 a 76. Alegando que o ministério de coalizão perdera a confiança do Parlamento, o rei dissolveu-o (18 de dezembro de 1783), ordenando a seus agentes que difundissem seus reais desejos e dádivas entre o eleitorado para garantir a volta de uma maioria conservadora. O Parlamento que se reuniu em 18 de maio era esmagadoramente pró Pitt e o rei. 

 William Pitt II o primeiro Primeiro-ministro. Pitt era mestre em administração política e capacidade de direção. Sua meticulosa devoção a suas tarefas, minucioso conhecimento dos negócios, o hábito de reflexão cuidadosa e julgamento cauteloso davam-lhe uma superioridade reconhecida por quase todos seus colegas de ministério. Então, pela primeira vez desde Robert Walpole (em relação a quem seu filho, em 1773, empregara o termo) a Inglaterra tinha um primeiro ministropois nenhuma ação importante foi tomada pelos colegas de Pitt sem o seu consentimento. Estabeleceu Pitt um verdadeiro governo de gabinete – a deliberação conjunta e união de responsabilidades dos principais ministros sob uma única liderança. Embora Pitt houvesse assumido o posto como devendo acatar a autoridade real, seu árduo trabalho e ampla informação foram pouco a pouco colocando-o numa posição em que ele mais guiava do que seguia o rei. Depois do segundo acesso de Jorge III (1788), foi Pitt quem governou a Inglaterra.

    Seu especial relacionamento com os negócios e as finanças possibilitaram-no restaurar um tesouro perigosamente sobrecarregado por duas grandes guerras em uma geração. Pitt havia lido Adam Smith, ouvia comerciantes e industriais, reduziu os prazos das importações, negociou um tratado de redução das tarifas com a França (1786) e entusiasmou os industriais ao declarar que as manufaturas deviam, em geral, ser isentadas de impostosRessarciu-se dessa medida ao tributar os artigos de consumo: fitas, fases, luvas, chapéus, velas, camas, sal vinho, tijolos, telhas, papel, janelas. Muitas casas taparam algumas janelas para reduzir o imposto. Em 1788, foi procedida a estimativa do orçamento, verificando-se que a Inglaterra escapara à bancarrota governamental que estava conduzindo a França à Revolução

    Antes da eleição, Pitt havia apresentado o seu Primeiro Projeto de Lei da Índia, que foi derrotado. Tornou, então a apresentar um segundo projeto: uma Junta Controladora, nomeada pelo rei, administraria as relações políticas da Companhia das Índias Orientais, enquanto que as relações comerciais e a clientela ficaram a cargo da Companhia, sujeitas ao veto real. Este projeto de lei foi aprovado (9 de agosto de 1784) regendo os negócios anglo-indianos até 1858.

    Fox e Burke consideraram esse arranjo uma vergonhosa capitulação a uma companhia notória pela corrupção e crimes. Burke tinha especial razão para aborrecimento. Seu patrono, Lorde Verney, seu irmão Richard Burke e seu parente William Burke haviam investido na Companhia e sofrido grandes perdas com a flutuação das ações. Quando William Burke foi para a Índia, Edmund o recomendou a Sir Philip Francis como pessoa de quem ele muito gostava. William ocupou o cargo de pagador, demonstrando ser tão corrupto quanto qualquer umDe volta à Inglaterra, Francis deu a Burke e a Fox sua versão da administração de Hastings. Ele era a fonte do extraordinário conhecimento que Burke tinha dos negócios da Índia. Os ataques a Hastings pelos liberais Whigs talvez fossem motivados, em parte, pelo desejo de desacreditar e derrubar o ministério de Pitt.

    Em janeiro de 1785, Hastings demitiu-se, voltando à Inglaterra. Esperava que seus longos anos de administração, a recuperação da Companhia para uma situação de solvência, assim como o salvamento das forças inglesas em Madrasta e Bombaim seriam recompensados com uma pensão, se não com um título de nobreza. Na primavera de 1786, Burke solicitou à Câmara dos Comuns os registros da direção de Hastings na Índia. Alguns foram recusados, outros lhe foram entregues pelos ministros. Em abril, ele apresentou à Câmara uma conta de despesas contra o ex-governador de Bengala. Hastings leu perante a Câmara uma resposta minuciosa. Em junho, Burke fez acusações relacionadas com a guerra de Rohilkhand, pedindo o impedimento de Hastings. A Câmara recusou-se a processar. Em 13 de junho, Fox contou a história de Chait Singh, pedindo o impedimento. Para grande surpresa do ministério, Pitt votou com Fox e Burke. Muitos do seu partido seguiram o exemplo, o que pode ter sido para dissociar o ministério da sorte de Hastings. A moção para o impedimento passou por 119 a 79.

    A prorrogação do Parlamento e a urgência de outros assuntos interromperam o drama, porém ele prosseguiu tumultuosamente em 7 de fevereiro de 1787, quando Sheridan fez um discurso que Fox, Burke e Pitt consideraram o melhor jamais proferido na Câmara dos Comuns. (Ofereceram a Sheridan mil libras por uma correta cópia do referido discurso. Ele nunca teve tempo de fazê-lo, e somente o conhecemos através de sínteses moderadas). Com toda a arte de um homem nascido para o teatro e o fervor de um espírito romântico, Sheridan recontou a espoliação das begumes de Oudh. Após falar por mais de cinco horas, pediu que Hastings fosse destituído. Mais uma vez Pitt votou a favor da acusação. A moção foi votada por 175 a 68. Em 8 de fevereiro, a Câmara nomeou uma comissão de vinte – com Burke, Fox e Sheridan encabeçando – para preparar os artigos de impedimento. Estes foram apresentados e, em 9 de maio, a Câmara ordenou que “Mr. Burke, em nome da Câmara dos Comuns (...) fosse à Câmara dos Lordes a fim de proceder ao impedimento de Warren Hastings, Esquire (...) por grande crise e contravenções”. Hastings foi preso, e levado perante os pares do reino, porém solto, mediante fiança. 

    Depois de muito tempo, a 13 de fevereiro de 1788, o julgamento principiou em Westminster Hall. Os amantes da literatura lembrar-se-ão da brilhante descrição daquela assembleia histórica. Os Lordes sentados, ostentando seus arminhos e outros como a alta corte da realeza. Perante eles Hastings, pálido e doente, com 53 anos, com 1,70m de altura e pesando 55 kg. Os juízes com suas perucas que lhes desciam até as orelhas. A família do rei. Os membros da Câmara dos Comuns. As galerias apinhadas de embaixadores, princesas e duquesas, Mrs Siddons, na sua majestosa beleza. Sir Joshua Reynolds entre tantos nobres que ele havia retratado. EUA, em um dos lados, a comissão então denominada os administradores, pronta para apresentar o caso do impedimento. Funcionários procederam à leitura da acusação e da resposta de Hastings. Durante quatro dias, no discurso mais vibrante de sua carreira Burke lançou sobre o acusado um número avassalador de acusações. Depois, em 15 de fevereiro, fez aquela histórica assembleia vibrar com a apaixonada exigência:

Impugno Warren Hastings, Esquire, por grandes crimes e contravenções.
Impugno-o em nome dos Comuns da Grã-Bretanha, (...) cuja confiança do Parlamento ele traiu (...).
Impugno-o em nome do povo da Índia, cujas leis, direitos e liberdade ele subverteu, cujas propriedades destruiu, cujo país tornou ermo e desolado.
Impugno-o em nome, e pela virtude, das eternas leis de justiça que violou.
Impugno-o em nome da própria natureza humana, que ele cruelmente ultrajou, injuriou e oprimiu em ambos os sexos, em todas as idades, em toda categoria elevada, situação e condições de vida.

    Com centenas de interrupções o julgamento prosseguiu, à medida que Burke, Fox, Sheridan e outros, contavam a história da administração de Hastings. Quando se ficou sabendo que pela manhã de 3 de junho Sheridan apresentaria prova relativa às begumes de Oudh, as ruas que davam para Westminster Hall ficaram repletas a partir de oito horas da manhã, com muitas pessoas, algumas de alta categoria, ansiosas para conseguir entrar. Os que haviam obtido cartões de ingresso venderam-nos por cinquenta guinéus cada ($1.500?). Sheridan compreendeu que esperavam que ele fizesse uma dramática representação. E ele a fez. Falou nas quatro audiências. Na do último dia (3 de junho de 1788), depois de ocupar a tribuna cinco horas consecutivas, caiu exausto nos braços de Burke, que o abraçou. Giboon, que estava nas galerias, descreveu Sheridan como um grande atorobservando como estava bem-disposto quando aquele historiador o visitou na manhã seguinte.

    Aquele discurso foi o clímax do referido julgamento. Cada um dos pontos da acusação necessitava ser investigado. Os lordes esperaram com paciência, e pode ser que tenham demorado a fim de deixar os efeitos da eloquência se dissiparem, e o interesse no caso desviar-se para outros acontecimentos. Estes vieram. Em outubro de 1788, o rei Jorge ficou louco e seriamente abatido pela tensão do julgamento e a má conduta do filho. Jorge Augusto Frederico, Príncipe de Gales, era gordo, de bom gênio, generoso, gastador e amoroso. Teve sucessivamente, várias amantes, acumulando dívidas pagas pelo pais ou pela nação. Em 1785 casou-se secretamente com Mrs. Maria Anne Fitzherbert, uma devota católica romana, já viúva duas vezes e seis anos mais velha do que o príncipe. Os wihigs, conduzidos por Fox, propuseram instituir uma regência subordinada ao príncipe. Este não dormiu duas noites à espera que o rei fosse declarado incapaz. Jorge III tornou as coisas ainda mais complicadas ao ter momentos de lucidez, nos quais falava de Garrick e Johnson, cantava trechos de Handel e tocava flauta. Em março de 1789, restabeleceu-se, desfez-se da camisa de força e continuou a reinar normalmente. 

    A Revolução Francesa proporcionou outro desvio do julgamento. Burke abandonou a caça de Hastings e correu ao auxílio de Maria Antonieta. A imoderação de seus discursos pôs fim aos restos de sua popularidade. Queixavam-se que os membros do Parlamento escapuliam quando ele principiava a falar. A maioria da imprensa lhe era hostil. Ele alegou que vinte mil libras haviam sido gastas comprando os jornalistas para ataca-lo e defender Hastings. E não há dúvida que grande parte da fortuna de Hastings foi gasta assim. Não deve ter sido surpresa para Burke quando finalmente, após oito anos do impedimento, a Câmara dos Lordes absolveu Hastings (1795). O sentimento geral era de que o veredicto fora justo. O acusado tinha sido culpado em muitos pontos, mas havia salvo a Índia para a Inglaterra, sendo punido por um julgamento que lhe quebrara a saúde e as esperanças, deixando-o com a reputação maculada e a fortuna arruinada. 

    Hastings sobreviveu a todos os seus acusadores. A Companhia das Índias Orientais salvou-o da insolvência, fazendo-lhe uma doação de noventa mil libras. Hastings readquiriu a propriedade ancestral de sua família em Daylesford, reformou-a e ali viveu num luxo oriental. Em 1813, com 81 anos, foi solicitado a testemunhar sobre negócios na Índia perante a Câmara dos Comuns. Foi recebido naquele recinto com aclamações e reverência, seus serviços rememorados, os pecados levados pelo tempo. Quatro anos depois faleceu, e de sua tumultuada geração apenas um ficou – o rei cego e imbecil. 

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